Conteúdo útil é um dos cinco propósitos que se pode buscar em content marketing. Quando se fala em conteúdo útil, remete-se mais facilmente a uma das práticas mais antigas do jornalismo, que no jargão das redações ganhou o nome de “prestação de serviço”. Consiste em ajudar as pessoas a resolverem um problema específico.
Por exemplo, historicamente emissoras de rádio espalham repórteres em pontos movimentados na cidade ou em helicópteros para indicarem os pontos com maior congestionamento nos horários de rush. Isso é um tipo de prestação de serviço para o motorista, hoje substituído em parte por aplicativos como o Waze, que, aliás, também é um tipo de prestação de serviço.
Outro exemplo: em dia de provas do Enem, sites e jornais não se limitam a dar notícias sobre estatísticas do exame. Invariavelmente, publicam mapas explicando como chegar ao local da prova, indicando quais ruas estarão fechadas. Isso também é um tipo de prestação de serviço.
A ideia central é antiga: ajudar o público de alguma forma. O que mudou nas últimas décadas foi simplesmente a tecnologia disponível para colocar a ideia em prática. Esse novo leque de possibilidades é tema do livro Youtility, um best-seller americano lançado em 2013 e de autoria de Jay Baer, fundador do Convince & Convert. Foi a partir dele que as empresas que praticam content marketing começaram a priorizar conteúdo útil.
(Em tempo: a resenha do livro Youtility está disponível para download em português.)
No livro, Jay Baer argumenta a favor do conteúdo útil da seguinte maneira:
“Se você fechar uma venda, você conquista um cliente hoje. Mas, se ajudar alguém, você conquista um cliente pelo resto da vida. Isso é o Youtility.”
Conteúdo útil é, segundo o livro, uma evolução da forma como as pessoas prestam atenção às marcas — efeito conhecido como awareness em marketing. São três tipos de awareness.
#1 Top-of-mind
O primeiro tipo é o top-of-mind awareness, em que o desafio é vencer a corrida na mente dos consumidores. Funciona mais ou menos assim: as marcas bombardeiam as pessoas com mensagens e exposição na mídia — e acabam conseguindo. Assim, quando o consumidor estiver pronto para comprar, ele vai se lembrar daquela marca.
Quer ver um exemplo brasileiro? “Não é, assim, uma Brastemp”. O slogan pegou e entrou na mente das pessoas em parte pela boa sacada publicitária e em parte pela enorme exposição e repetição da mensagem na mídia de massa. O mesmo princípio se aplica a muitas outras campanhas. “Pergunta lá no posto Ipiranga” é outro bom exemplo.
O top-of-mind exige gastos enormes de publicidade. Por isso, funciona melhor para marcas já populares. E é limitado para empresas que tiverem orçamentos gordos e bons publicitários contratados.
Acontece que a tática do top-of-mind awareness está ameaçada de extinção por diversas razões. Uma delas é o fato de que muitos consumidores não confiam nas empresas. Em maio de 2018, por exemplo, o importante site americano The Drum publicou um artigo com o título “As pessoas não confiam nas marcas porque… bom, por que deveriam confiar?”. Se quiser ler o artigo, vale a pena. Mas o título já diz tudo. Talvez um consumidor se lembrar de uma marca não seja mais suficiente. Ele deveria se importar com ela. E isso não acontece necessariamente com o top-of-mind.
#2 Frame-of-mind
O segundo tipo de awareness é o frame-of-mind, que, numa tradução livre para o português, seria algo como “awareness de estado de espírito”. Funciona assim: quando uma pessoa estiver com o seu modo de compra ligado, a marca aparece com uma oferta. Parece algo inovador, mas é bem antigo. Remonta a 1886, quando Reuben H. Donnelley’s produziu a primeira edição das páginas amarelas. Se uma pessoa quisesse comprar algo, buscaria na lista telefônica. E alguns anúncios em destaque no meio da lista saltariam aos seus olhos. Esse é o princípio do frame-of-mind.
Nos últimos anos, textos, áudios, vídeos e outros meios online de comunicação substituíram as páginas amarelas — e ganharam o nome de inbound marketing. O Hubspot alcunhou o termo em 2006 após lançar um software que permite que empresas de médio porte executem essas táticas com muito mais eficiência. Nessa abordagem, são elas — as empresas — que tomam a iniciativa de encontrar o consumidor no momento que elas consideram ideal.
Agora observe essa relação olhando por um outro ângulo. Há seguramente uma coisa que você nunca faz. Você nunca vai ao Google e digita “estou no mercado disposto a comprar algo, mas não sei exatamente o que. Pode ser qualquer coisa. Por favor, me ofereça algo e me surpreenda”. Perceba, então, que as pessoas não se importam com as marcas. Elas buscam o que é bom para elas. E é aí que o terceiro tipo de awareness entra em cena.
#3 Friend-of-Mine
O friend-of-mine awareness — que em tradução livre seria algo como “awareness por um amigo meu” — parte da premissa de que hoje as empresas disputam com pessoas físicas a atenção do público que querem atingir. Elas competem com nossos familiares e com os nossos amigos, que usam as mesmas ferramentas e tecnologias que as marcas.
Por isso, para a sua marca ter sucesso, seus potenciais clientes devem considerar sua marca como uma amiga. Se, na condição de amigo, você proporcionar a elas um valor real — praticando Youtility em vez de ficar oferecendo cupons de desconto —, eles vão retribuir com lealdade o seu gesto. Vão agir da mesma forma como agimos quando recompensamos nossos amigos.
Existem duas maneiras de as empresas se destacarem nesse ambiente barulhento. A primeira é ser uma marca fora de série, como a Apple, por exemplo. Se você for uma Apple, tudo estará resolvido em termos de marketing. Acontece que você não é. Então, resta a segunda opção, que é ser uma marca útil. As empresas que decidem caminhar por essa vertente são seguidas, marcadas e mantidas na tela de favoritos das pessoas. Empresas que não fazem isso simplesmente não são.
O raciocínio desenvolvido por Jay Baer ao falar dos três tipos de marca vai ao encontro de uma forte tendência no content marketing hoje: a disputa acirrada pela atenção das pessoas. Todos os dias, surgem empresas, pessoas e influenciadores publicando conteúdo. Acontece que a população não cresce no mesmo ritmo. Ou seja, o volume de conteúdo consumido permanece mais ou mesmo no mesmo patamar. Resultado: há mais conteúdo sendo produzido do que consumido. Esse fenômeno tem um nome: content shock.
Uma das formas de se destacar nessa disputa de atenção é criando conteúdo útil. Para isso, as empresas precisam vencer dois desafios:
- Descobrir quais são as necessidades do público. Essa descoberta pode surgir simplesmente a partir do insight que alguém do time de comunicação e marketing tiver. Ou pode ser fruto do uso de mecanismos de análise e investigação do comportamento do público, como buyer personas e pesquisas.
- Escolher uma forma de entregar o conteúdo útil pelo canal adequado.
Vejamos, então, alguns exemplos que mostram casos de Youtility bem-sucedidos.
Case de concessionária de estradas
O complexo Anchieta-Imigrantes é formado pelas estradas que ligam a cidade de São Paulo ao litoral do estado. Nos feriados de verão, os congestionamentos por excesso de veículos são frequentes. No inverno, a neblina pode levar à realização de comboios, com partidas vagarosas atrás de carros oficiais que controlam a velocidade — e também causam congestionamento. Isso sem contar os casos em que acidentes bloqueiam a pista e também afetam a vida de quem pretende viajar.
Pois bem, a Ecovias, empresa que administra essas estradas, mantém ativo permanentemente o perfil @_ecovias no Twitter para ajudar os motoristas a evitar os congestionamentos. A empresa não apenas informa as condições das estradas, mas responde individualmente a cada pergunta feita.


O que a Ecovias ganha com isso? Relacionamento com o usuário, que é quem paga o pedágio — e, em última análise, é o seu cliente.
Case de hospital infantil
Além de vídeos educativos relacionados a prevenção e tratamento de doenças, prática comum no setor de saúde, desde 2013 o Hospital Infantil de Phoenix, nos Estados Unidos, disponibiliza para qualquer pessoa o aplicativo para celular Car Seat Helper.
Disponível para iPhone e Android, o aplicativo ajuda pais a escolher a cadeirinha de carro certa para seus filhos. Eles digitam altura e peso da criança e o aplicativo recomenda o modelo ideal — e mais seguro — do assento infantil.
Jay Baer classifica um conteúdo útil em três possíveis categorias: “transparência radical”, “relevância em tempo real” e “informação self-service”, no qual Car Seat Helper se enquadra. Eis a definição do livro:
“Self-service é dar às pessoas a oportunidade de se informar por conta própria, como e onde elas quiserem. Isso é diferente de dar informações seguindo um funil de conteúdo, em que é a empresa quem escolhe o momento do envio da informação.”
Case de loja de departamentos
É comum um consumidor entrar numa loja e andar de prateleira em prateleira atrás do produto sem encontrá-lo. Para resolver esse problema, a loja de departamentos Meijer lançou o aplicativo Find-It, que localiza produtos em qualquer prateleira. O aplicativo ajuda, ainda, a encontrar banheiros e até a ver quais itens estão em promoção.
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.
Takeaway
Prestar serviço para resolver um problema específico do público é uma forma antiga de se produzir conteúdo, mas que ganhou força com as novas tecnologias. Existe até um livro, o Youtility, que organiza esse conceito e apresenta diversos casos de conteúdo útil.
Este artigo foi originalmente publicado em 20 de setembro de 2017 e vem sendo constantemente atualizado e enriquecido desde então.