Imagine que uma pessoa planeja uma viagem de férias. Ao listar os possíveis hotéis, ele se lembra da ótima experiência que teve nas férias passadas em um hotel de rede. Ele então descobre que existe uma unidade daquela mesma rede em seu próximo destino. Aquele hotel agora tem uma vantagem sobre as demais opções porque aquela pessoa já confia nele.
Da mesma forma, um carro com avaliações positivas no YouTube sai na frente dos concorrentes que passam em branco. O mesmo acontece com o vendedor íntegro, que fala a verdade para o potencial cliente, em comparação àquele que faz de tudo para garantir a comissão.
Confiança é um elemento-chave nas relações comerciais — seja entre pessoas e marcas ou entre pessoas que representam suas empresas. O marketing de confiança é, assim, uma abordagem do marketing que se propõe a atribuir à confiança um papel decisivo nas escolhas que as pessoas fazem.
Convém, antes de tudo, entender um pouco mais sobre confiança.
O que é confiança?
Segundo a American Psychological Association (APA), confiança é “o grau em que cada parte sente que pode contar com a outra para fazer o que ela diz que vai fazer”. O fator-chave não é a honestidade das pessoas, mas a previsibilidade delas. A confiança é considerada pela maioria dos psicólogos como um componente primordial em relações maduras.
Trabalhei como diretor de uma empresa de tecnologia, onde respondia diretamente para o CEO — uma pessoa honestíssima.
Ainda assim, eu tinha dificuldade de confiar nele — mesmo sabendo que ele seria incapaz de me enganar ou trair. O problema é que ele mudava de ideia repentinamente. Combinávamos alguma coisa, mas na semana seguinte ele dizia que repensou, porque não fazia sentido o combinado — e desfazia o trato.
É dessa previsibilidade que a definição da APA fala, válida também para a relação entre consumidores e marcas.
A Honda é conhecida pela durabilidade de seus carros. Quando uma pessoa compra um Honda, ela espera que o carro rode centenas de milhares de quilômetros sem quebrar — claro, com a devida manutenção preventiva. Questão de previsibilidade.
Em um artigo publicado em 2018 pelo site Psychology Today, o filósofo, cientista cognitivo e autor de livros canadense Paul Thagard afirma que a confiança não está ancorada no raciocínio lógico.
“Confiança não é puramente racional, mas um estado emocional do cérebro, não apenas uma expectativa de comportamento.”
Paul Thagard
A confiança é construída ao longo do tempo — e depende mais dos outros do que de nós. O máximo que se pode fazer, seja como pessoa ou marca, é se comportar de modo a construir a confiança legítima.
A MantraCare é uma plataforma internacional de experiência de funcionários, concentrando-se em saúde mental, bem-estar e treinamento dos colaboradores. Na visão dessa empresa, existem quatro tipos de confiança:
- Confiança interpessoal, considerada a mais relevante.
- Confiança intergrupal, que pode ser complicada, já que nem sempre é fácil para membros de diferentes grupos cooperarem entre si ou compartilharem crenças.
- Confiança institucional, que diz respeito à confiança das pessoas em instituições como empresas (marcas), governos ou sistema jurídico.
- Confiança no mundo natural, que é o tipo de confiança que temos em coisas que não são humanas. Por exemplo, elementos ligados a fé.
Mas por que confiamos em alguém?
Vamos combinar elementos de algumas fontes relevantes, como a própria MantaCare e o livro Trust, do autor de autoajuda Henry Cloud, para listar sete atributos da confiança.
- Semelhança: confiamos mais em quem é parecido conosco. Num dos estudos apresentados pela da MantraCare, os participantes foram questionados sobre o quanto se sentiam semelhantes aos seus parceiros. Conclusão: aqueles que se sentiam mais parecidos com seus parceiros eram mais propensos a confiar neles. Isso talvez ocorra porque pessoas semelhantes a nós compartilham algumas das nossas características, tornando mais razoável que confiemos nelas.
- Equiparidade: o sentimento de estar no mesmo patamar que outra pessoa potencializa uma relação de confiança. E o inverso é verdadeiro: uma pessoa dominante está menos propensa a confiar e a ganhar a confiança de outra. Numa dinâmica feita no mesmo estudo reportado pela MantraCare, os participantes atribuíram a si próprios um grau de dominância. Em seguida, eles decidiram se confiariam ou não em outro participante. Conclusão: aqueles que se viam como mais dominantes eram menos propensos a confiar. Isso talvez aconteça porque os dominantes tendem a priorizar seus próprios interesses. Até mesmo no aspecto da atratividade física, a equiparidade pode ser afetada. No mesmo estudo, foi dito aos participantes que eles jogariam um jogo ao lado de outra pessoa. Algumas vezes, eram informados de que o outro jogador era fisicamente atraente — outras vezes, não. Descobriu-se que aqueles que foram informados de que seu parceiro era atraente ficaram menos propensos a confiar neles, mesmo que não houvesse um motivo claro para tal. Isso talvez aconteça porque ser atraente geralmente indica que a pessoa tem mais recursos do que nós — e tendemos a pensar que eles não se preocupam conosco.
- Compreensão: a confiança não se estabelece apenas entre semelhantes. O entendimento entre pessoas em situações diferentes também proporciona confiança. Imagine um criminoso cercado pela polícia enquanto mantém uma criança como refém, usando-a de escudo humano para garantir sua fuga. A primeira coisa que o policial encarregado da negociação faz não é tentar convencer o criminoso a libertar a criança. Em vez disso, ele pergunta o nome do criminoso, pede a ele que conte o que houve, pergunta como ele se sente. Por quê? Bem, negociadores profissionais sabem que a escuta ativa é uma habilidade-chave nesse tipo de situação de alto risco. Eles precisam que a outra parte sinta que foi ouvida. Quando nos sentimos compreendidos e ouvidos, alguma coisa dentro de nós se suaviza e também começamos a ouvir.
- Empatia é a capacidade de compreender e compartilhar os sentimentos, pensamentos e experiências de outra pessoa, colocando-se no lugar dela. Quando percebemos que o interlocutor está considerando os nossos interesses, nos sentimos seguros e baixamos a guarda, abrindo caminho para uma relação de confiança. A empatia é, essencialmente, uma característica inata dos seres humanos. No livro The Age of Empathy, o etólogo holandês Frans de Waal afirma que o ser humano tem a necessidade de viver em grupo e, portanto, proteger o grupo. Desse modo, a empatia é natural, já que desempenha um papel instintivo de sobrevivência. O autor relata uma pesquisa feita pelo psicólogo sueco Ulf Dimberg nos anos 1990, em que os participantes reagiam a fotos de rostos numa tela. Elas franziam a testa quando viam rostos tristes e sorriam para os felizes. A empatia pode ser cognitiva (entender as emoções dos outros), emocional (compartilhar as mesmas emoções dos outros) ou compassiva (compreender, compartilhar emoções e, ainda, ajudar a reverter uma situação difícil dos outros).
- Habilidade: digamos que você está fundando uma startup e busca sócios. Você pensa em um amigo de infância em quem confia plenamente. Porém, isso não significa que você confie nele para embarcar nessa jornada empreendedora. Talvez lhe faltem habilidades específicas para a tarefa, que são um atributo da confiança. Se você vai delegar uma missão a alguém, não basta que o coração dela esteja no lugar certo. Você precisa ter certeza de que ela tem competência para dar conta do recado.
- Caráter: habilidade é fundamental, mas não é tudo. A pessoa precisa ter as características certas para que você confie nela. Retomando o exemplo da startup, o seu cofundador pode ter todas as habilidades do mundo, mas se faltar a ele, por exemplo, honestidade, autocontrole ou perseverança, você não vai se sentir seguro para tocar um negócio com ele.
- Histórico: comportamento passado indica comportamento futuro. Se o cofundador da startup for alguém que teve sucesso em iniciativas profissionais anteriores, o histórico será um fator de confiança. É natural confiarmos na capacidade de alguém experiente. Um levantamento feito pela Gupy, plataforma que provê tecnologia para a área de Recursos Humanos (RH), listou os requisitos mais buscados pelos recrutadores na hora de contratar profissionais em cinco áreas. Em quatro delas (saúde, varejo, tecnologia e agronegócio), a experiência profissional apareceu como requisito número 1. Em Telecomunicações, apareceu em segundo lugar.
Se você quer mostrar que é confiável, garanta que a outra parte possa confirmar que você tem todos muitos desses atributos — talvez todos eles. Quando uma pessoa confia em você, é provável que ela coopere e acredite no que você diz. É provável que haja reciprocidade — e que ela confie em você também.
Como praticar o marketing de confiança?
No contexto do marketing, a confiança pode ser institucional (associada a uma empresa) ou interpessoal (associada a um representante de uma empresa — como vendedor, diretor, fundador, colaborador etc.). Em ambos os casos, a confiança é construída com base em um ou mais dos seis ingredientes do marketing de confiança.
Em tempo: os canais de comunicação que serão usados pelas marcas para reforçar a confiança não são tema do marketing de confiança, mas do marketing de conteúdo (ou content marketing). O objetivo aqui é que você entenda como ser confiável.
Dito isso, explico a seguir os seis ingredientes do marketing de confiança, que, como você poderá observar, têm conexão com os atributos da confiança enumerados no capítulo anterior deste post.
#1 Integridade
No final de 2019, comprei uma passagem para fazer um voo de Chicago a Cleveland, pela American Airlines. O voo seria em outubro de 2020. Porém, em março daquele ano, a pandemia fechou as fronteiras internacionais, me impedindo de sair do Brasil. Como optei pela tarifa mais econômica, que não dá direito a reembolso, me conformei com a perda do valor pago pelo bilhete.
Fiquei surpreso quando, poucas semanas antes do voo, uma atendente da American Airlines me telefonou. Ela perguntou se eu realmente faria aquele voo, pois os brasileiros estavam impossibilitados de viajar aos Estados Unidos. Eu respondi que não e ela me ofereceu o estorno integral do valor, o que eu aceitei. A American Airlines ganhou a minha confiança porque agiu da mesma maneira que um amigo agiria.
Quando você se sente seguro de que uma empresa ou pessoa vai agir de forma íntegra —honesta, ética, responsável, coerente, transparente, respeitosa —, a relação de confiança está pronta para acontecer apoiada no atributo do caráter.
Isso vale não só para empresas, mas também para os profissionais que as representam.
Anos atrás, eu buscava um fornecedor de plataforma de ensino a distância. Assim, conheci a Netpoint, então representada pelo executivo de negócios Anderson Mendes. Fizemos uma reunião e descrevi a minha necessidade bem específica. Ele escutou, fez perguntas e, no final, me orientou: “olha, para essa necessidade, a Netpoint não serve. Eu adoraria trabalhar com você, mas o que fazemos não vai atender à sua necessidade da forma como você espera”. Ele ainda me indicou o tipo de empresa que poderia me atender adequadamente.
Anderson poderia ter forçado a barra para ganhar a venda e, consequentemente, a comissão. Mas optou ganhar a minha confiança. A parte importante da história termina aqui, mas vale contar que, anos depois, uma grande empresa de cosméticos me procurou para fazer a transmissão de eventos. Não hesitei em indicar a Netpoint, em quem eu já confiava plenamente.
Como gerar confiança pela integridade
A base da integridade é a verdade. Para construir confiança com base nela, a empresa precisa fomentar a cultura de abolir a mentira sempre.
Nos anos 90, o psicoterapeuta norte-americano Brad Blanton publicou o livro Radical Honesty (Honestidade Radical, numa tradução livre), em que afirma que a mentira, muitas vezes, surge como um mecanismo de defesa. É uma artimanha que as pessoas usam para escapar das consequências de certos atos ou para evitar ferir os sentimentos dos outros. O problema é que a mentira depois cobra um preço. De certa maneira, a mentira é uma tática de sobrevivência e, ao mesmo tempo, uma doença que mata aos poucos.
O autor, então, propõe praticar o que está escrito no título do livro: honestidade radical. Isso significa sempre dizer a verdade, que muitas vezes é indigesta. Porém, as consequências da mentira, cedo ou tarde, serão piores.
Charles Marzanasco Filho, o saudoso Charlinho, teve uma trajetória de sucesso na área de comunicação. Ele foi assessor de imprensa de Ayrton Senna durante grande parte da carreira do piloto. Em aparições públicas, Senna usava o boné do Banco Nacional, seu patrocinador. Por isso, aonde quer que fosse, Charlinho tinha o dever de carregar consigo um boné reserva.
O próprio Charlinho me contou que, numa certa manhã, Senna participou de um evento e se deu conta de que estava sem o boné do Nacional e pediu o boné reserva. Foi quando Charlinho percebeu que também tinha esquecido. Ele, então, viu um grupo de fãs que aguardavam uma oportunidade de pedir um autógrafo, e um deles usava o boné do Nacional. Charlinho se apresentou como assessor de Senna e pediu ao fã o boné. Em troca, ele enviaria um boné novo, autografado pelo ídolo, para a casa do fã, que aceitou a proposta.
De volta ao escritório, mais tarde, Charlinho estava incomodado. Sabia que tinha falhado e se safado por sorte. Ele então foi até a sala de Senna e contou o que havia acontecido. Para surpresa dele, o piloto já estava sabendo, porque o fã conseguiu o autógrafo no evento — e contou o ocorrido. No final, Senna agradeceu a Charlinho por ter dito a verdade. “Se eu não tivesse ido conversar, ele nunca mais confiaria em mim”, me disse Charlinho.
É claro que, no âmbito empresarial, os colaboradores não podem sair contando tudo o que se passa internamente. Há uma diferença enorme entre informação confidencial e mentira.
Não há nada de errado em eventualmente dizer “sinto muito, essa informação é interna” ou “lamento, mas é um problema cuja solução foge ao nosso alcance”. Foi assim que se comportou o hotel Santa Clara Eco Resort numa interação com um hóspede chamado Alexandre, que deixou o seguinte comentário no TripAdvisor:
“O hotel é bonito. A equipe é atenciosa. Porém, o restaurante é algo realmente impressionante. A quantidade de moscas, mosquitos e insetos voadores é de dar nojo. Não sou nenhum tipo de urbanoide alienado. Obviamente, um lugar repleto de árvores, lagos e rios será tomado por uma quantidade grande de insetos, porém aqui a quantidade é absurda. Ler um livro na varanda ou nas cadeiras das piscinas é irritante. Pontos positivos: os monitores são ótimos. As crianças adoraram.”
A resposta da equipe do hotel foi esta:
“Prezado Alexandre, bom dia. Obrigado pela sua avaliação e principalmente por ter escolhido o Santa Clara para sua hospedagem e de sua família. Agradecemos aos elogios, em especial a nossa monitoria e equipe. Nos desculpe pelo transtorno com insetos. Estando dentro de uma área verde é algo comum. Esperamos revê-los. Equipe Santa Clara”
Muitas vezes, empresas inventam desculpas, tentam jogar a responsabilidade para terceiros ou fingem que vão resolver o problema. É muito melhor dizer a verdade: numa área verde, não há como se livrar dos mosquitos. Paciência. Foi um gesto alinhado aos atributos da compreensão e do caráter. Esse tipo de postura transmite verdade e, portanto, confiança.
#2 Robustez
Recentemente, contratei um seguro para o meu telefone celular. Muitos players oferecem esse tipo de serviço, mas optei pela Porto Seguro. Talvez houvesse uma alternativa mais vantajosa, mas a confiança na robustez da empresa foi fator decisivo.
A robustez está ligada a diferentes fatores, como tempo de existência, porte, força da marca e outros. No caso da Porto Seguro, são quase 80 anos de vida, e isso transmite confiança.
A robustez também pode se expressar pelo porte da empresa, mensurado em faturamento, número de colaboradores ou outra medida. Por exemplo, a Vale faturou R$ 226 bilhões em 2022. O Carrefour tem mais de 72 mil colaboradores espalhados por 498 lojas em 26 estados. São indiscutivelmente robustas.
Não por acaso, o LinkedIn mantém visíveis certos atributos nas páginas empresariais. Veja o caso da Boeing como exemplo. Foi fundada em 1916 e tem 110.747 colaboradores no LinkedIn.
Uma curiosidade inútil: você notou a coincidência de haver o número 747 no print da Boeing? Se não entendeu, a Wikipédia explica.
A força da marca, relacionada ao conceito de brand equity, também pode indicar robustez. Você talvez não saiba o ano de fundação, o faturamento nem o número de funcionários de Apple, Microsoft, Amazon, Google, Samsung, Toyota, Coca-Cola, Mercedes-Benz, Disney ou Nike. Mas só de ouvir esses nomes, já sabe que são robustas. Elas são as dez marcas mais valiosas do mundo segundo o conceituado ranking da Interbrands.
A robustez também pode ser percebida em detalhes, como a origem da empresa. A Kyndryl foi fundada em 2021 como uma spin-off da IBM — o que automaticamente lhe confere robustez.
Até mesmo o local da sede talvez nos faça perceber uma empresa como robusta. Por exemplo, uma startup do Vale do Silício, a meca da tecnologia; ou uma vinícola de Bordeaux, uma das regiões da França mais importantes para a produção de vinho.
A robustez é garantia de qualidade? Não, mas transmite confiança mesmo assim. Tendemos a reagir subconscientemente mais ou menos assim: “deve haver algo de especial para essa empresa ser tão antiga, tão grande, tão conhecida, tão famosa, tão bem localizada”. É, portanto, um ingrediente que pode se apoiar em diferentes atributos da confiança, como histórico ou habilidade.
Como gerar confiança pela robustez
Antes de tudo, a empresa precisa ser de fato robusta em algum aspecto (tempo de mercado, porte, marca forte ou outro). Não há nenhum problema em não ser robusta. Por exemplo, uma pequena empresa que presta excelentes serviços há quatro anos não terá esse fator a seu favor.
Para esse caso, não é preciso esperar décadas se passarem nem a empresa alcançar o patamar dos milhares de funcionários. Há formas de construir robustez, como o branding, que consiste num conjunto de ações e processos para melhorar o entendimento e o reconhecimento da marca pelo público.
Uma ação pontual que muitas empresas praticam visando a construir a robustez consiste em exibir no site os clientes atendidos, destacando marcas muito conhecidas — globalmente ou em seu setor. Isso também pode conferir um ar de robustez à marca.
Se, no entanto, a empresa já for robusta pelo tempo de mercado, porte ou força da marca, aí é o caso de ressaltar essas qualidades em suas ações de comunicação — como, aliás, as empresas costumam fazer. Basta entrar na página “Sobre Nós” dos sites delas para encontrar um certo destaque para o tempo de existência. Alguns exemplos:
- Coca-Cola: “Em 8 de maio de 1886, o Dr John Pemberton levou seu xarope aperfeiçoado para a Jacobs’ Pharmacy no centro de Atlanta”.
- John Deere: “Contamos com mais de 180 anos de experiência e terabytes de dados de precisão”.
- Levi’s: “Em 1853, o bávaro Levi Strauss se muda para São Francisco na época da Corrida do Ouro para abrir uma mercearia”.
- Mercedes-Benz: “A estrela de três pontas em uma coroa de louro surgiu em 1925”.
- Shell: “Fundada em Londres, em 1897, a Shell começou como uma pequena empresa comercial.”
Portanto, a robustez pode já estar atrelada a uma marca ou pode ser construída ao longo do tempo.
#3 Reputação
Fundada no ano 2000, a ClearSale atua na gestão de risco e prevenção a fraudes em tecnologia, um mercado movimentado. De um lado estão as empresas, que precisam se proteger de ataques; do outro, os fraudadores, cada vez mais profissionalizados. Até aí, é uma guerra equilibrada porque há profissionais habilidosos dos dois lados.
O problema é que os fraudadores têm uma vantagem. Em ambientes digitais obscuros, como a Deep Web, eles trocam informação e conhecimento, algo que as empresas não costumavam fazer. Foi aí que a ClearSale enxergou a oportunidade de liderar um movimento para uni-las. Assim, surgiu em 2017 o Mapa da Fraude, publicação semestral que traz informações importantes e atualizadas sobre o setor.
Deu certo. Muitos profissionais da área de tecnologia começaram a usar o documento como referência. Consequentemente, começaram a falar bem da ClearSale. Por exemplo, na edição de 2021 da Febraban Tech (evento de tecnologia voltado para o setor financeiro), o superintendente de um dos maiores bancos do País visitou o estande da ClearSale apenas para dar um feedback. Ele contou que, dentro do banco, havia um receio natural de compartilhar dados com o mercado. Essa cultura mudou graças ao Mapa da Fraude.
Quando muitas pessoas — ou pessoas importantes — falam bem de uma empresa, elas impactam positivamente a reputação dela. Além disso, abrem caminho para que mais gente confie nela. O atributo da semelhança está presente nesse caso.
“A alta direção passou a olhar de outra forma o processo de marketing e comunicação, entendendo que a relação com as outras empresas é uma forma de gerar confiança.”
Rodrigo Sanchez, diretor de Marketing e Comercial da ClearSale, em sua participação no podcast Quarto Ato, da Tracto.
Por definição, reputação se refere à avaliação, opinião ou conceito que os outros têm sobre uma pessoa, empresa, organização, produto ou marca.
Desde 2000, o Merco (Monitor Empresarial de Reputação Corporativa) avalia a reputação das empresas com base em pesquisas com públicos variados e relevantes, como mostra a figura abaixo.
No ranking do Merco de 2022, a campeã foi a Natura, seguida por Ambev, Itaú Unibanco, Google e Magazine Luiza.
Essas marcas sabem que, hoje, a reputação é construída majoritariamente em ambientes digirais onde os consumidores têm voz, como redes sociais, sites de reviews, fóruns, comentários em vídeos etc.
Vamos pegar a indústria hoteleira como exemplo. Antes de viajar, você vai a um site como o TripAdvisor para saber o que as pessoas estão falando de um determinado hotel. Essas avaliações vão ser decisivas para a sua escolha de hospedagem. Sabendo disso, o site da Accor exibe na lista de hotéis a avaliação que cada um tem no TripAdvisor.
Isso indica que a Accor entendeu como se joga o jogo da reputação atualmente. Não por acaso, ela figura no top-100 do ranking da Merco.
Mecanismos para o consumidor avaliar a reputação — e, portanto, a confiabilidade — de uma empresa não faltam. No Brasil, o Reclame Aqui é um dos players mais expressivos nesse sentido.
O Gringo é uma plataforma que ajuda motoristas a lidar com burocracias, como licenciamento, IPVA, multas, seguros, crédito e outras. Em setembro de 2023, entrevistei o gerente de Experiência do Cliente do Gringo, Arthur Scaffi, para o podcast Think Tech, da Algar Tech. Durante a conversa, ele mencionou que a empresa tinha resultados expressivos nos rankings do Reclame Aqui.
De fato, em 18 de outubro de 2023, o Gringo aparecia no top-10 em três rankings: Melhor índice de solução, Melhores Índices de Voltar a Fazer Negócios e Melhores notas médias.
A empresa procura disponibilizar canais de atendimento ao cliente eficientes, usando WhatsApp, app, chatbot, atendimento pessoal e outros — além de dar atenção aos comentários no Reclame Aqui. A primeira preocupação de Arthur é manter o NPS (índice que mede a satisfação do cliente) saudável. A lógica é simples: alto índice de satisfação do cliente é a semente para os comentários positivos, que fortalecem a reputação da empresa.
Mas cuidado: a reputação tem uma faceta cruel.
“Leva 20 anos para construir uma reputação e cinco minutos para arruiná-la.”
Warren Buffet, importante empresário e investidor norte-americano
O hábito das pessoas de falarem das empresas não nasceu com as redes sociais. Ele sempre existiu. E as pessoas são bem inclinadas a criticá-las.
Em 2004, o cineasta independente norte-americano Morgan Spurlock causou um problema de reputação para o McDonald’s ao lançar o documentário Super Size Me: a Dieta do Palhaço, em que próprio faz uma experiência de 30 dias comendo exclusivamente no McDonald’s. Spurlock ganhou peso e problemas de saúde. Foi uma crítica contundente à influência corporativa da indústria de fast food e às suas consequências na sociedade. O documentário foi indicado ao Oscar e estimulou debates sobre a indústria alimentícia.
Na época do lançamento, o filme foi tema frequente de debates em TVs, rádios e rodas de amigos. Afetou a reputação do McDonald’s, que precisou reagir em diversas frentes de comunicação: assessoria de imprensa, publicidade, eventos e até no conteúdo das lâminas de bandeja, cujo verso passou a conter informações nutricionais sobre os alimentos do McDonald’s.
Portanto, as pessoas sempre falaram sobre as marcas. O que mudou de lá para cá foi o lugar onde isso acontece.
Imagine um consumidor que, em plena década de 1990, saiu de casa para comprar uma furadeira. Naquela época, ele tomava a decisão quando estava parado em frente à prateleira da loja. Era uma questão de minutos ou segundos (dependendo do produto), para optar por uma marca ou outra. Essa pequena jornada do consumidor ganhou o nome de “Primeiro Momento da Verdade” (FMOT, na sigla em inglês), alcunhado pela P&G a partir de uma matéria publicada em 2005 pelo Wall Street Journal.
A P&G depois ampliou o conceito e criou o SMOT — Segundo Momento da Verdade —, que é quando o consumidor chega em casa testa a furadeira. Das duas, uma: ou fica encantado ou frustrado. Era assim na era off-line.
Com as redes sociais, o comportamento do consumidor mudou muito. Antes de ir até a loja, aquele mesmo consumidor pesquisa tudo sobre a furadeira em diversas fontes: Google, social media, sites de reviews. É ali, olhando para a tela, que ele descobre qual modelo atende à sua necessidade com o melhor custo-benefício. A decisão, portanto, é tomada antes do “Primeiro Momento da Verdade”. Foi isso que levou o Google a criar, em 2011, o conceito “Momento Zero da Verdade” (ZMOT).
O conceito do ZMOT foi embasado por um estudo feito pela Shopper Sciences, que entrevistou 5 mil consumidores subdivididos em 12 categorias. O objetivo principal era saber quais fontes interferem na decisão de compra deles — e em qual momento eles passaram da condição de indeciso para decidido.
Em 2010, um consumidor usava, em média, 5,4 fontes de informação antes de tomar uma decisão. Em 2011, essa média saltou para 10,4. Por que praticamente dobrou? É simples: porque há muito mais informação disponível online. A publicação é antiga, mas é fácil supor que, mais de uma década depois, essa média hoje seja ainda maior.
Como gerar confiança pela reputação
Satisfeitos ou insatisfeitos, os clientes vão escrever o que pensam em redes sociais, áreas de comentários, sites de review e onde mais houver uma caixa de texto disponível.
Você não pode controlar o que as pessoas falam, mas pode entrar na conversa, mostrando a elas que a sua empresa dá atenção aos clientes quando acidentalmente as coisas dão errado. Esse é o princípio apresentado por Jay Baer no livro Hug Your Haters (algo como “Abrace seus Detratores” numa tradução livre).
Ele classifica os detratores em dois tipos.
O primeiro é o onstage hater, cuja tradução literal seria algo como detrator em cima do palco. É aquele que posta a crítica para que outras pessoas vejam. Foi o que aconteceu no caso abaixo. Uma cliente entrou numa postagem regular do Starbucks para reclamar.
No dia seguinte, ela colocou o mesmo comentário em outro post do Starbucks.
No outro dia, a terceira mensagem.
Embora o Starbucks tenha uma boa cultura de relacionamento com o público via redes sociais, não houve resposta. O ideal seria que a empresa o fizesse, como recomenda o Hug Your Haters. Quando faz isso a empresa tem a chance de se aproximar da pessoa insatisfeita — e talvez até transformá-la em defensora da marca por apresentar uma resposta satisfatória.
O outro tipo de detrator é o offstage hater, o detrator fora do palco. Ele reclama por canais privados, como emails, DMs, chats particulares e outros. Seu objetivo é ter seu problema resolvido. Para esses casos, há cada vez mais recursos disponíveis — como inteligência artificial generativa.
A empresa Alana desenvolveu um sistema de resposta de emails capaz de atender às demandas de consumidores.
Um dos clientes que ela atendeu é uma grande organizadora de eventos. Por causa da pandemia do Covid-19, muitos usuários pediram cancelamento de um show que seria realizado no Nordeste. O sistema era, sozinho, capaz de responder aos emails e fazer o reembolso caso o pedido obedecesse a determinadas regras, como prazo de antecedência.
Casos que fugissem às regras previstas eram passados para a análise dos gestores humanos. O que, aliás, não deixa de ser um fator em prol da confiança também. Delegar 100% aos robôs sem a supervisão humana poderia ser temerário.
“Você não precisa gastar o tempo de um colaborador humano para responder coisas mecânicas, como, por exemplo, qual o DDD de uma pessoa que quiser fazer uma ligação de Natal para o Rio de Janeiro.”
Marcel Rosa, cofundador da Alana, em entrevista concedida à Tracto para o Podcast-se
É preciso responder porque offstage haters podem se tornar onstage haters se a experiência de atendimento for ruim. O gráfico abaixo, tirado do Hug Your Haters, mostra o que os clientes valorizam num atendimento.
Dando um zoom no primeiro fator, que é o tempo de resposta, em 2018 o Clutch publicou um estudo que mostra o tempo de resposta a seus comentários que as pessoas estão dispostas a esperar nas redes sociais.
Responder ativamente aos clientes é uma forma de demonstrar vários atributos da confiança, como compreensão, empatia, habilidade ou caráter.
#4 Conhecimento
Imagine que uma empresa contratou você para executar um serviço e pediu que você elabore a minuta de contrato. Você então telefona para um advogado e explica a sua necessidade. O advogado fala tudo em juridiquês, cheio de termos técnicos indecifráveis para você, que fica meio perdido.
Você então telefona para outro advogado e novamente explica a demanda. Diferentemente do primeiro, esse advogado explica didaticamente os aspectos jurídicos, usando linguagem simples, fácil de assimilar. Você tende a confiar mais no segundo advogado.
Um dos atributos da confiança é a habilidade, que requer conhecimento — seja ele teórico ou prático. Portanto, demonstrar conhecimento profundo sobre determinado tema ajuda você ou a sua marca a ganhar a confiança das pessoas.
Um bom exemplo é a Schneider Electric, empresa francesa especializada em produtos e serviços para distribuição elétrica. Ela mantém a Universidade da Energia, plataforma de e-learning disponível em 12 idiomas. Até 2017, ela havia formado mais de 180 mil alunos em áreas ligadas a energia elétrica.
Em entrevista ao livro Killing Marketing, de Joe Pulizzi e Robert Rose, a gerente global de parcerias da Schneider Electric, Susan Hartmann, explica que o programa permite entender melhor o público graças aos dados que são coletados.
“Quando uma pessoa se cadastra na Universidade da Energia, ela fornece alguns dados a seu respeito. É isso que nos diferencia de uma plataforma comum de marketing. Por ser um sistema de ensino, os dados são mais completos. Então, conseguimos ver a que tipo de curso elas assistem e quais temas gostariam de ver no futuro. Usamos os dados para entender quem é o usuário e, em última análise, o que está querendo comprar.”
Susan Hartmann, gerente global de parcerias da Schneider Electric.
Milhares de pessoas que passaram pela Universidade da Energia confiam na Schneider Electric porque constataram o profundo conhecimento dela na área de energia.
Como gerar confiança pelo conhecimento
Antes de tudo: é preciso ter conhecimento profundo para poder compartilhar. Se você ou sua empresa não tem segurança de que pode se apresentar como especialista no tema, não tente seguir por esse caminho — pelo menos por enquanto. Existe uma disputa acirrada pela atenção do cliente (fenômeno definido como content shock), de modo que o conteúdo raso terá pouca ou nenhuma chance de sucesso.
No caso de você ou sua empresa ser um expert, o desafio será demonstrar isso compartilhando conhecimento, por exemplo, por meio da publicação de conteúdo educativo — um dos cinco propósitos do conteúdo dentro do conceito de content marketing.
Um dos grandes benefícios do ato de ensinar é que vem a reboque a oportunidade de ser útil.
Uma empresa que faz isso com excelência é a rede de lojas de materiais de construção Leroy Merlin, que publica vídeos educativos sobre como fazer consertos em sua casa sem precisar contratar um ‘marido de aluguel’. Nos vídeos, ela aborda o que vende, mas o que sabe.
São ensinamentos úteis e aplicáveis, pilares do conceito de Youtility, apresentado por Jay Baer no livro de mesmo nome. Segundo ele, existem três tipos de awareness no marketing:
- No top-of-mind awareness, o objetivo é fazer a empresa ser a primeira escolha na mente dos consumidores quando eles estiverem prontos para comprar. Isso geralmente envolve gastos substanciais em publicidade, sendo mais eficaz para marcas já populares.
- No frame-of-mind awareness, o objetivo é atingir potenciais clientes quando eles estão com o modo compras ativado. Isso envolve colocar sua marca diante do consumidor no exato momento em que ele precisa de um produto ou serviço. Por exemplo, as páginas amarelas ou, para ser menos obsoleto, anúncios no Google. Embora tenha sido uma tática eficaz ao longo dos anos, a ascensão do inbound marketing vem roubando a cena há alguns anos.
- No friend-of-mine awareness, reconhece-se que as empresas agora competem pela atenção dos consumidores. Para ter sucesso, as empresas precisam ser vistas como amigas, o que conquista a confiança do cliente, semelhante à confiança entre amigos. Casos da Schneider Electric e da Leroy Merlin.
O conhecimento pode ser compartilhado por canais próprios ou de terceiros. Por exemplo, assessores de imprensa costumam dar uma valiosa colaboração nesse sentido. Eles cavam espaço para seus assessorados serem entrevistados por veículos de comunicação, como sites, emissoras de rádio ou TV, canais do YouTube, podcasts e outros.
Por exemplo, o IT Forum, importante portal especializado em assuntos de tecnologia, publicou em agosto de 2023 uma reportagem sobre carreiras que podem ser impactadas pelo avanço da inteligência artificial generativa. A fonte ouvida pelo autor da matéria foi um gerente da Robert Half. O leitor passa a enxergar a Robert Half como especialista, dona de profundo conhecimento sobre o tema. Se não fosse, o jornalista teria escolhido outra fonte.
Em alguns casos, o mesmo conteúdo serve canais próprios e de terceiros. Em julho de 2023, por exemplo, a Veja publicou uma matéria sobre a queda de tentativas de fraudes no comércio eletrônico brasileiro. O já citado Mapa da Fraude, da ClearSale, foi a principal fonte de dados do repórter.
Em ambos os casos, as empresas fomentaram a confiança do público nelas.
Se decidir atuar como uma marca que compartilha conhecimento, certifique-se de que o conteúdo será profundo, relevante e útil.
#5 Qualidade
Em setembro de 2023, chegaram às lojas da Apple no mundo inteiro os novos modelos do iPhone 15, do Apple Watch e dos AirPods. O resultado foram enormes filas nas lojas da empresa, como mostra a foto da loja de Nova York.
A razão disso é simples: os produtos da Apple primam pela qualidade. Têm bom desempenho, são fáceis de usar, raramente travam e são bonitos, entre outras particularidades.
A qualidade do produto se refere a quanto ele satisfaz as necessidades do cliente, cumpre seu propósito e atende aos padrões da indústria. É assim que define o Indeed, um dos mais relevantes sites de carreira dos Estados Unidos. No âmbito dos serviços, qualidade significa entregar um serviço com qualidade que atenda ou supere as expectativas do cliente.
A experiência do cliente conta muito, como destaca o relatório da Trust Barometer Special Reporter 2022, da Edelman. Por meios online, foram coletadas opiniões de 25,5 mil respondentes de oito países — Brasil, China, França, Alemanha, Índia, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. Em suma, são três camadas da confiança:
Para entender o gráfico:
- Ter uma boa experiência com o produto ou serviço é a base de tudo. É ali que a confiança realmente se constrói.
- Ter uma boa experiência de usuário vem a reboque da a forte concorrência no mercado.
- No topo do gráfico, vem o fato de a marca causar um impacto na sociedade. Isso seria a cereja sobre o bolo. Não é supérfluo nem obrigatório: é um diferencial, como você vai observar no 5º pilar.
Segundo o relatório da Edelman, no âmbito da experiência com o produto, as grandes preocupações dos clientes são com a velocidade da inovação das empresas. Isso diz respeito à capacidade que elas têm de automatizar e facilitar a vida deles. E, ainda, eles não podem nem pensar em se arrepender de uma compra ruim. Portanto, se eles pressentirem que a empresa tem inovação no seu DNA e que não vão se arrepender da compra, a relação tende a ser regida pela confiança.
O conceito de experiência do usuário é vasto. Em linhas gerais, diz respeito a interagir de forma eficiente, agradável e produtiva com um produto, serviço ou sistema. Uma experiência de usuário positiva envolve elementos como usabilidade, satisfação, acessibilidade, estética, consistência e outros. O estudo da Edelman usa como exemplo o usuário que sabe que as empresas podem facilitar sua vida se usarem inteligência artificial para um atendimento mais adequado. Ou se confiarem no uso responsável de seus dados pessoais.
Um bom exemplo é o mercado de streaming. Os filmes e séries proporcionam a experiência com o produto. Pode ser que você goste mais de um do que o outro, mas é justo considerar que há um empate técnico na qualidade da produção dos grandes players — como Netflix, Amazon, Disney, HBO, Paramount e outras. Todos, portanto, vão bem na primeira camada da confiança.
Já na segunda camada, a Netflix é considerada por muita gente o estado da arte quando se trata de experiência do usuário. Ela oferece mais ou menos os mesmos recursos que os concorrentes, mas faz isso com uma excelência e com certo requinte que a diferencia das demais. Não que Amazon Prime Video, Disney+, HBO Max, Paramount+ e outras sejam precárias. Pelo contrário, são ótimas. Mas a Netflix tem aquele quê a mais.
Como gerar confiança pela qualidade
A forma como as empresas desenvolvem produtos é continuamente aprimorada. No passado, a indústria disseminou o método PDCA (Plan Do Check Act), ainda hoje usado. Empresas de tecnologia reciclaram e popularizaram métodos que fizeram sucesso na década de 1970, como o OKR (Objectives and Key Results).
Dos times de tecnologia, vieram os métodos ágeis, como Scrum e Lean. Não apenas no âmbito dos produtos físicos ou digitais como também dos serviços, as empresas obtêm avaliações e feedbacks dos clientes por meio do NPS (Net Promoter Score). Para proporcionar qualidade à jornada do cliente, aplica-se UX (User Experience) e CX (Customer Experience).
Estas são algumas ferramentas e métodos disponíveis para as equipes de marketing e áreas próximas (produto, atendimento, tecnologia). Não há certo ou errado nesse ponto. Cada time adota o que mais convém ou agradam para o dia a dia. O importante é colocar o cliente no centro.
A Forbes, uma das mais importantes publicações de negócios do mundo, reuniu em um painel seus conselheiros em 2022 para que eles listassem 14 ações para criar ou melhorar um produto de qualidade. Separei as seis que tratam especificamente da busca pelo aperfeiçoamento. Perceba que o cliente está no centro da atenção de todas elas.
- Busque por gaps. “Estamos sempre buscando identificar quais problemas estão impedindo o progresso dos nossos clientes e quais estratégias e soluções podemos implementar para ajudá-los. Ao compreender esses pontos, teremos melhores condições de inovar em nossos produtos — e nossos clientes estão ansiosos para adquirir a solução que remove os obstáculos de seu caminho”, por Kevin Coker, da Proxima Clinical Research.
- Identifique onde a inteligência artificial pode ajudar. “A chave para a expansão do nosso produto foi identificar áreas onde a inteligência artificial poderia aumentar a velocidade, a eficiência e o valor da nossa solução. Ao implementar a inteligência artificial na identificação de problemas em rodovias, nosso serviço passou a ser entregue na metade do tempo. É objetiva por natureza e é repetível todas as vezes”, por James Golden, da Pavement Management Group.
- Use o feedback do cliente. “Ouça o seu cliente. A expansão muitas vezes é impulsionada por fatores internos, como o projeto pessoal de um líder ou a busca por economia de escala. No entanto, a expansão bem-sucedida do produto começa por saber aonde o seu cliente está levando você. O que eles estão pedindo? Quais são os outros pontos de dor que você conhece, mas ainda não abordou?”, por Caitlin Brumme, da MassChallenge.
- Concentre-se na adaptação contínua. “A melhor ação que tomei foi focar na experiência do cliente em nossas lojas de varejo e não aceitar o status quo. Só porque as coisas sempre foram feitas de uma maneira não significa que essa vai ser sempre a melhor maneira. A inovação contínua é uma das chaves para se tornar extraordinário”, por Steven Schabacker, da Sheepdog Firearms.
- Observe o comportamento do cliente. “Parei de pensar no que eu achava que seriam ótimos produtos. Em vez disso, aprendi a confiar nos meus clientes para me dizerem, com seus bolsos, o que eles realmente valorizavam e desejavam em termos de produtos. Além das pesquisas, criamos produtos de teste para ver se os clientes realmente pagariam pelos produtos que disseram querer”, por Louise Hendon, da Doggie Karma.
- Separe a expansão do produto das melhorias. “Um dos maiores desafios foi priorizar a expansão do produto e as melhorias. As melhorias sempre pareciam mais urgentes. Então, decidimos separá-las em objetivos e resultados-chave (OKRs). Um objetivo gira em torno de melhorias destinadas a encantar nossos clientes. Um objetivo completamente separado é empurrar os limites de nosso produto e expandir nosso mercado. Essa delimitação nos ajudou a encontrar um bom equilíbrio a cada trimestre”, por Xenia Muntean, da Planable.
A discussão sobre como alcançar a qualidade do produto é tão antiga quanto a orientação ao cliente. Um artigo de 1983 da Harvard Business Review discutia a diferença de percepção entre executivos e consumidores em relação à qualidade dos produtos. Enquanto muitos executivos acreditam que a qualidade está melhorando, os consumidores percebem uma piora.
Isso significa que a qualidade não deve ser apenas orientada ao produto, mas ao cliente —cujas necessidades e expectativas devem nortear as decisões. Além disso, a qualidade do serviço ao cliente no pós-venda é tão importante quanto a qualidade do produto em si. As empresas devem se concentrar em oferecer serviços de qualidade que atendam às necessidades de seus clientes, diz o artigo.
Esses princípios são antigos, mas nunca deixaram de ser atuais. O produto gera confiança quando resolve problemas dos clientes com excelência.
“A melhor propaganda é feita por clientes satisfeitos.”
Philip Kotler
#6 Causa
A terceira camada da confiança segundo o relatório da Edelman é o impacto que uma marca provoca na sociedade. Essa é uma questão em voga neste momento. A premissa é que as pessoas carregam consigo valores pessoais e, em tese, querem marcas que representem esses valores.
A mesma pesquisa Trust Barometer, da Edelman, reforça esse ponto. Um dos capítulos do já mencionado relatório leva o seguinte título: Confiança é Sinônimo de Bons Negócios para as Marcas. Ele mostra que, especialmente entre os mais jovens, os consumidores, nessa ordem, dão preferência a empresas que tenham especial cuidado no tratamento com seus empregados, clientes, uso de seus produtos, a forma como os produtos são feitos e valores centrais da marca.
A maior parte (65%) dos entrevistados brasileiros concorda com a afirmação de que “o que uma marca defende deve estar presente em suas ações”.
A própria Edelman considera a Nike um exemplo de empresa que causa impacto na sociedade. Em 2018, a fabricante de materiais esportivos contratou para suas campanhas o jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que causou polêmica por se ajoelhar durante o hino nacional nos jogos da NFL. Era um sinal de protesto contra a violência racial.
Ao contratá-lo, a Nike sinalizou para o mundo que compartilha das mesmas ideias que Kaepernick — e passou a produzir campanhas publicitárias com mensagens nessa direção, estreladas por ele. Com isso, atraiu para si os simpatizantes de uma causa e ganhou a confiança deles.
O melhor caminho para ganhar a confiança do público não é por meio da escolha de uma das três camadas, mas de todas elas combinadas, diz a Edelman. Marcas da primeira camada têm confiança de 47% dos seus consumidores. Quando passam para o segundo nível, esse percentual salta para 55% e, para o terceiro, para 68%. O delta é de 21 pontos percentuais.
No livro Brand Activism, Christian Sarkar e seu coautor, o renomadíssimo Philip Kotler, defendem que todas as empresas abracem uma causa. Eles argumentam que não basta posicionar a marca, mas se juntar aos grupos em torno de uma causa.
Isso vale especialmente para as gerações mais jovens. O site americano Business Insider publicou em agosto de 2019 um post com o seguinte título: “As marcas não podem mais ficar longe das questões sociais e políticas. Perguntamos a alguns dos maiores nomes da indústria como fazer isso da maneira certa”.
“Os consumidores da geração mais jovem esperam que as marcas entrem [no debate] e tenham algo a dizer, que tenham um ponto de vista.”
Molly Battin, diretora de marketing da Warner Media
“As gerações Y e Z se importam muito com as empresas e com o que as pessoas que trabalham nessas empresas se preocupam. A autenticidade é importante para esses jovens.”
Tim Ellis, CMO da NFL
Porém, o ativismo não está restrito aos mais jovens.
Luciano Pires é um palestrante, autor de livros e podcaster. Vive basicamente de vender conteúdo que ele chama de fitness intelectual. Aborda temas variados que passam por cultura, política, carreira, empreendedorismo, liberalismo econômico e mais. Voltado para um público mais maduro, o conteúdo é distribuído por vários canais — podcast Café Brasil, palestras corporativas e um punhado de livros. Tem sido assim desde meados da década de 2000.
Luciano defende algumas bandeiras. Por exemplo, ele é contra a “pocotização”, termo criado por ele para se referir ao “Brasileiro Pocotó”, aquele sujeito superficial, que alimenta seu conhecimento apenas pela cultura superficial — muitas vezes, tosca — que a mídia de massa proporciona. Qualquer alusão à música da Eguinha Pocotó não é mera coincidência. Com isso, atrai o público que levanta as mesmas bandeiras que ele, e gera um laço de confiança naquele grupo.
Os exemplos bem-sucedidos de Nike e Café Brasil corroboram a tese de Sarkar e Kotler. Mas atenção: existem muitos casos malsucedidos, o que indica que é preciso ter cuidado ao seguir esse caminho. No Brasil hoje, há polarizações das mais variadas em torno de temas políticos, hábitos da sociedade e outras áreas.
Ao abraçar uma causa, a marca assume o risco de ser cancelada pelos grupos que têm opinião divergente sobre um determinado tema.
Em março de 2020, o dono da rede de restaurantes Madero, Junior Durski, criticou as medidas restritivas adotadas pelos governos na pandemia do Covid-19. Ele afirmou que o País não podia parar. A reação nas redes sociais foi imediata. Houve boicote à rede de restaurantes por parte das pessoas que eram a favor dos lockdowns.
No aspecto político, marcas que escolheram um lado também viram grupos agirem para promover cancelamento ou boicote. Empresas como o restaurante Coco Bambu, a rede de academias Smart Fit e a loja de departamento Havan adotaram um posicionamento mais de direita, gerando a revolta das pessoas de esquerda.
Mais recentemente, em 2023, houve o mesmo movimento, mas no sentido contrário. O youtuber Felipe Neto, que tem posicionamento político de esquerda, reclamou publicamente da escassez de patrocinadores para seu canal. A marca de chocolates Bis, da Lacta, então patrocinou uma ação do influenciador, gerando a revolta de pessoas de direita, que, da mesma forma, fizeram uma campanha de boicote ao chocolate.
O fenômeno não se dá somente no Brasil, mas internacionalmente. Em outubro de 2023, Paddy Cosgrave, CEO do Web Summit (um dos mais importantes eventos de tecnologia e inovação do mundo), criticou Israel durante o conflito com o Hamas. Como protesto, empresas israelenses cancelaram o patrocínio ao evento, que seria realizado um mês depois, em Portugal. Resultado: Cosgrave precisou renunciar ao cargo.
Uma pesquisa feita pela Orbit Data Science analisou em 2023 comentários de usuários que deixaram de comprar determinadas marcas e identificou os principais motivos para o abandono.
- 40% abandonaram a marca porque tiveram experiências negativas (camada da experiência como usuário);
- 28% acham que o produto não supre as necessidades (camada da experiência com o produto);
- 22% não se sentem representados pela marca (camada do impacto na sociedade).
- 10% mencionaram fatores financeiros.
A política também influencia na decisão, com 25% dos usuários deixando de comprar marcas associadas a um partido ou a uma ideologia política.
Como gerar confiança abraçando uma causa
Há hoje dois tipos de causas que as empresas podem defender: as não polêmicas e as polêmicas.
No primeiro tipo, de uma causa que não divida as pessoas em grupos polarizados, o desafio é levantar uma bandeira que a empresa realmente defenda. Por exemplo, sempre no mês de outubro, a rede de lojas Marisa participa ativamente da campanha do Outubro Rosa, que estimula mulheres a se prevenirem do câncer de mama.
Historicamente, a Marisa é uma marca orientada para a mulher. Basta se lembrar do tradicional slogan “de mulher pra mulher”. Soa legítima uma campanha no sentido de prevenir o câncer de mama, que, segundo o Inca, mata 12 de cada 100 mil mulheres no Brasil. O Outubro Rosa está longe de gerar polêmica.
No segundo tipo, de uma causa polêmica capaz de dividir opiniões muitas vezes em grupos enfurecidos, tomar partido requer uma cuidadosa análise. Os gestores de marketing devem avaliar se a geração de confiança com um grupo será suficientemente benéfica para cobrir um eventual boicote ou cancelamento por parte de outro, como aconteceu nos casos citados.
Os entrevistados pela reportagem já citada da Business Insider concordam que uma marca “não deve tentar entrar na conversa sem uma mensagem verdadeira a transmitir”. Para isso, as empresas precisam primeiro entender o que o público espera delas por meio de pesquisa, social listening e outras ferramentas.
Devem, inclusive, saber que reações esperar se tomarem partido em discussões polarizadas.
Em agosto de 2020, entrevistei Marcelo Salgado, então gerente de Social, UX e Digital do Bradesco. O tema foi inclusão no dia a dia do marketing, justamente uma das bandeiras que fazem as pessoas perceberem o Bradesco como uma empresa que causa impacto social. No bate-papo, Marcelo Salgado deixou claros dois pontos:
- A inclusão é uma verdade do banco. Desde sua origem, o Bradesco busca ser inclusivo e diverso na composição de funcionários. Portanto, o componente autenticidade está presente.
- As ações de marketing ligadas à diversidade têm relação com os negócios do Bradesco. Se o banco não conseguir atender a todas as pessoas, vai perder negócios — se não hoje, no futuro.
Fernando Machado, CMO global do Burger King, disse à Business Insider:
“Se você fizer da forma adequada, se estiver agregando valor à conversa, se quiser se colocar do lado certo da história, se puder vincular isso ao posicionamento da marca, acho que provavelmente você vai aumentar o amor pela marca. Com o tempo, isso provavelmente se traduzirá em negócios para a empresa.”
Fernando Machado, CMO global do Burger King.
A quantidade de vezes que a palavra “se” aparece na fala do CMO do Burger King reforça o cuidado que se deve tomar na hora de levantar uma bandeira, especialmente quando o tema for polêmico.
Takeaway
O marketing de confiança é uma abordagem do marketing que atribui à confiança um papel decisivo nas escolhas que as pessoas fazem. Ele se ancora nas premissas de confiança segundo a psicologia. Existem seis ingredientes do marketing de confiança, que podem ser usados na estratégia de cada empresa: integridade, robustez, reputação, conhecimento, qualidade e causa.
Este artigo foi originalmente publicado em 19 de outubro de 2020 e vem sendo constantemente atualizado e enriquecido desde então.