A indagação que eu faço no título deste post é a pergunta que eu fiz a mim mesmo porque não tinha ideia da resposta alguns dias antes de começar a escrever. Isso me inquieta. O que há de especial em algumas empresas que simplesmente contam com a confiança das pessoas?
Decidi parar para investigar e o resultado está neste post.
Vou começar pela conclusão objetiva a que cheguei.
Enquanto algumas empresas insistem em simplesmente ficar interrompendo a atenção das pessoas com mensagens publicitárias desinteressantes, produtos que pouco resolvem suas vidas ou passar em branco no significado, outras marcam presença.
Elas alcançam um dos estágios da confiança, seja porque seus produtos não vão deixar na mão, seja porque a experiência de se relacionar com elas é boa ou, ainda, porque elas significam alguma coisa para os valores pessoais das pessoas que as acompanham.
Existem algumas maneiras de conquistar a confiança do público — e eu as listo mais adiante. O marketing e a comunicação têm papel fundamental nessa tarefa, mas cuidado: isso só vai funcionar se o produto ou serviço for realmente bom. Quando se trata de marketing de confiança, a máxima de que “o marketing não melhora o produto” é mais do que verdadeira.
Agora vamos ao (longo) embasamento desta conclusão.
As três camadas da confiança
Antes de tudo: a conquista da confiança não é uma ciência exata. Ela pode ser conquistada porque o produto resolve um problema do cliente de uma forma que a concorrência não o faz, porque a experiência do cliente foi superior ou porque a marca defende uma causa que está alinhada a um valor do cliente. Ou graças a uma combinação desses fatores.
Quem conclui isso é o renomado relatório da Edelman Trust Barometer Special Reporter, que em sua edição de 2019 trouxe o título Em Marcas Nós Confiamos?, numa tradução livre. Por meios online, foram coletadas opiniões de 25,5 mil respondentes de oito países — Brasil, China, França, Alemanha, Índia, Japão, Reino Unido e Estados Unidos.
Em suma, são três camadas da confiança:

Para você entender o que este gráfico significa:
- Ter uma boa experiência com o produto é a base de tudo. É ali que a confiança realmente se constrói.
- Ter uma boa experiência de usuário vem a reboque dada a forte concorrência no mercado.
- No topo do gráfico, vem o fato de a marca causar um impacto na sociedade. Isso seria a cereja em cima do bolo. Não é supérfluo nem obrigatório: é um diferencial.
O próprio relatório da Edelman explica mais didaticamente o significado de cada camada:
- Na aspecto da experiência com o produto, as grandes preocupações dos clientes são com a velocidade da inovação das empresas. Isso diz respeito à capacidade que elas tem de automatizar e facilitar a vida deles. E, ainda, eles não podem nem pensar em se arrepender de uma compra ruim. Portanto, se eles pressentirem que a empresa tem inovação no seu DNA e que não vão se arrepender da compra, a relação de confiança estará estabelecida. Uber é um exemplo.
- No aspecto da experiência como usuário, os clientes estão preocupados com seus dados pessoais. Eles sabem que as empresas podem usar seus dados para rastrear suas compras no futuro. Mas vão fazer isso com responsabilidade? Eles precisam ter a segurança de que sim. Ao mesmo tempo, eles sabem que as empresas podem facilitar suas vidas se tiverem uma boa tecnologia com o uso de inteligência artificial — por exemplo, para um atendimento mais adequado. Em resumo, se eles entenderem que a empresa vai usar a tecnologia para o bem da relação, e não para a deterioração dela, a relação de confiança estará reforçada. AirBNB é um exemplo.
- No aspecto do impacto na sociedade, as pessoas não toleram fake news nem marcas envolvidas em questões sociais. Elas querem marcas que representem seus valores pessoais. Quando esse alinhamento acontece, a relação de confiança pode alcançar seu grau mais alto. Nike, segundo o relatório da Edelman, é um exemplo. Um tanto polêmico, é verdade. Mas falarei dele mais adiante.
O que você deve estar se perguntando é, na condição de gestor de marketing, como colocar isso em prática?
Marketing de confiança
Na maioria dos casos, o conteúdo tem uma contribuição muito maior a dar nas camadas de experiência do usuário e de impacto na sociedade do que de experiência com o produto.
Não que o content marketing seja um mero expectador quando se trata da experiência com o produto, mas esta é a hora da verdade para o cliente, em que ele vai comparar o que esperava com o que obteve e vai sair feliz ou frustrado — e é isso que vai resultar em confiança ou frustração. Portanto, o conteúdo tem uma atuação limitada, quase indireta, quando se trata de produto na maioria dos casos.
O melhor conselho que eu daria a uma empresa é: garanta que o produto ou serviço entregue aquilo que o cliente espera, e ponto final. Já é uma grande vantagem porque apenas um em cada três clientes dizem confiar na maioria das marcas de quem eles compram. Essa estatística aproximada vale para a média global — e para o Brasil também.

Mas como colocar o marketing de confiança em prática?
Bem, há muitas formas. Aliás, mais do que eu sou capaz de imaginar porque o mercado é dinâmico e há em todo canto profissionais talentosos criando soluções todos os dias.
Ainda assim, me arrisco a enumerar alguns fatores que pesam na construção de confiança entre marca e público por meio do conteúdo. São possíveis ideias para você implantar — ou fortalecer — na sua empresa.
#1 Conteúdo educativo
Existem cinco propósitos para o conteúdo em content marketing. Explico isso em meu livro Content Marketing Masterclass, lançado em agosto de 2020. O conteúdo educativo é um deles.
O nome é autoexplicativo: trata-se de compartilhar conhecimento com o objetivo de cultivar o relacionamento com um público específico.
A empresa global Schneider Eletric mantém a Universidade da Energia, uma plataforma de e-learning disponível em 12 idiomas. Até 2017, havia formado mais de 180 mil alunos.
Em entrevista ao livro Killing Marketing, a gerente global de parcerias da Schneider Eletric, Susan Hartmann, explica que o programa permite entender melhor o público graças aos dados que são coletados.
“Quando uma pessoa se cadastra na Universidade da Energia, ela fornece alguns dados a seu respeito. É isso que nos diferencia de uma plataforma comum de marketing. Por ser um sistema de ensino, os dados são mais completos. Então, conseguimos ver a que tipo de curso elas assistem e quais temas gostariam de ver no futuro. Usamos os dados para entender quem é o usuário e, em última análise, o que está querendo comprar.”
Susan Hartmann (Schneider Eletric)
A relação de confiança, admiração e talvez memória afetiva que a Schneider Eletric cria com o público é a mesma que você tem com quem deu uma contribuição importante na sua vida, como um professor ou um curso marcante. E tem um fator extra aí, que é o fato de a empresa não ser uma instituição originalmente de ensino. Isso dá ao compartilhamento do conhecimento um caráter de nobreza. Nenhuma empresa é obrigada a transferir conhecimento, a não ser que o faça espontaneamente.
Em junho de 2020, entrevistei para o Podcast-se o gerente de inovação da Schneider Eletric, Alex Sanghikian. O tema foi transformação digital, mas inevitavelmente falamos da Universidade da Energia. “Eu mesmo tenho aprendido bastante sobre o mercado por meio desse conteúdo e sobre como democratizar o uso da energia. É uma missão muito nobre da empresa”, contou Alex Sanghikian. Uma prova de que a relação de confiança acontece com os públicos externo e interno.
Em julho de 2020, fiz um curso online coincidentemente sobre o mesmo tema da entrevista com Alex Sanghikian — transformação digital. A certificação é da Universidade da Virginia, mas o curso em si é ministrado pelo Boston Consulting Group, o famoso BCG, aquele da Matriz BCG. Testemunho próprio: minha confiança na empresa aumentou por um misto de admiração com credibilidade pela ótima qualidade do conteúdo. Esse é o poder do conteúdo educativo.
Citei aqui o exemplo de cursos apenas para ilustrar. Conteúdo educativo pode ser transmitido por diversos outros canais, de blog a YouTube, passando por eventos presenciais, podcasts e por aí vai.
#2 Defesa de uma causa
Luciano Pires é um palestrante, autor de livros e podcaster. Vive basicamente de vender conteúdo que ele chama de “fitness intelectual”. Aborda temas variados que passam por cultura, política, carreira e muito mais. Tudo que publica é fruto de muita pesquisa e reflexão. Com profundidade, o conteúdo chega às pessoas por meio dos podcasts Café Brasil e Lidercast, palestras corporativas e um punhado de livros. Tem sido assim desde meados dos anos 2000.
Luciano Pires defende algumas bandeiras. Ele é contra a “pocotização”, termo criado por ele para se referir ao “Brasileiro Pocotó”, aquele sujeito superficial, que alimenta seu conhecimento apenas pela cultura superficial — muitas vezes, tosca — que a mídia de massa proporciona. Qualquer alusão à música da Eguinha Pocotó não é mera coincidência.
Luciano Pires tem um posicionamento político claro. Ele é um liberal convicto, embora defenda a ideia de que há espaço para dialogar com quem tem pensamentos opostos — ou seja, progressistas. O Café Brasil, uma empresa pequena, levanta uma bandeira e, com isso, ganha a confiança do seu público.
Mas empresas grandes fazem o mesmo.
Como mencionei alguns parágrafos atrás, a Nike é um exemplo de empresa que causa impacto na sociedade. Quem disso isso foi a Edelman, e ela tem razão. Em 2018, a Nike contratou para suas campanhas o jogador de futebol americano Colin Kaepernick, que causou polêmica por se ajoelhar durante o hino nacional nos jogos da NFL. Era um sinal de protesto contra a violência racial.
Ao contratá-lo, a Nike sinalizou para o mundo que compartilha das mesmas ideias que Kaepernick — e passou a produzir campanhas publicitárias com mensagens nessa direção, estreladas por ele. Com isso, atraiu para si os simpatizantes de uma causa, ganhou a confiança deles e, a reboque, viu as receitas crescerem naquele ano.
A pesquisa da Edelman indica que o melhor caminho para ganhar a confiança do público não é por meio da escolha de uma das três camadas, mas de todas elas combinadas. Marcas da primeira camada têm confiança de 47% dos seus consumidores. Quando passam para o segundo nível, esse percentual salta para 55% e, para o terceiro, para 68%. O delta é de 21 pontos percentuais.

Voltando ao caso da Nike, é preciso dizer que nem tudo foram flores na vida da fabricante de materiais esportivos. Ao se associar a Kaepernick, na verdade, a Nike tomou partido numa intensa polarização política entre direita e esquerda não muito diferente do que acontece no Brasil hoje. A ponto de o presidente americano Donald Trump criticar publicamente a empresa em seu Twitter, jogando seus defensores contra a Nike.
Isso leva você à mesma indagação que eu me fiz em determinado momento: quer dizer, então, que as marcas precisam a partir de agora assumir um lado nas questões mais acaloradas se quiserem atingir o ápice da confiança?
Ou seja, amanhã, então, o primeiro post da Tracto ou dos nossos clientes nas redes sociais vai ter de ser algo do tipo: “nossa empresa é contra ou a favor do Bolsonaro… somos a favor do aborto ou contra ele… somos de direita ou de esquerda… agora somos ativistas de meio ambiente, feministas, usamos hashtags polarizadoras e por aí vai”.
É isso?
Calma lá, a coisa não é bem assim.
O site americano Business Insider publicou em agosto de 2019 um post com o seguinte título: “As marcas não podem mais ficar longe das questões sociais e políticas. Perguntamos a alguns dos maiores nomes da indústria como fazer isso da maneira certa” — fiz uma tradução livre do título .
A primeira opinião é de Molly Battin, diretora de marketing da Warner Media, que respondeu ao site:
“Os consumidores da geração mais jovem esperam que as marcas entrem [no debate] e tenham algo a dizer, que tenham um ponto de vista.”
Molly Battin (Warner Media)
Tim Ellis, CMO da NFL, foi numa linha parecida:
“As gerações Y e Z se importam muito com as empresas e com o que as pessoas que trabalham nessas empresas se preocupam. A autenticidade é importante para esses jovens.”
Tim Ellis (NFL)
Ambos falam em geração mais jovem. Guarde isso. Tocarei nesse ponto daqui a pouco.
Fernando Machado, CMO global do Burger King, acrescenta:
“Se você fizer da forma adequada, se estiver agregando valor à conversa, se quiser se colocar do lado certo da história, se puder vincular isso ao posicionamento da marca, acho que provavelmente você vai aumentar o amor pela marca. Com o tempo, isso provavelmente se traduzirá em negócios para a empresa.”
Fernando Machado (Burger King)
Quase todos os ouvidos pelo Business Insider concordam com a ideia de tomar partido — o que também pode ser fruto da escolha da reportagem por gestores com essa inclinação. Seja como for, é possível abstrair dos depoimentos que:
- Todas são empresas de grande porte, com clientes na casa das centenas de milhares ou talvez milhões de pessoas.
- As marcas devem ter uma posição autêntica, dizem muitos dos gestores ouvidos. Não devem entrar na conversa sem uma mensagem verdadeira a transmitir.
- As empresas precisam entender o que o público espera delas. Devem, inclusive, saber que reações esperar se tomarem partido em discussões polarizadas.
- Alguns depoimentos deixam claro que essa iniciativa segue alinhada aos negócios da empresa. Ou seja, isso deve trazer retorno.
Em agosto de 2020, entrevistei para o Podcast-se Marcelo Salgado, gerente de Social, UX e Digital do Bradesco. O tema foi inclusão no dia a dia do marketing, justamente uma das bandeiras que fazem as pessoas perceberem o Bradesco como uma empresa que causa impacto social. No bate-papo, Marcelo Salgado deixou claros dois pontos:
- A inclusão é uma verdade do banco. Desde sua origem, ele é um banco inclusivo e hoje é diverso em sua composição de funcionários. Portanto, o componente autenticidade, está presente.
- As ações de marketing ligadas à diversidade têm relação com os negócios do Bradesco. Em linhas gerais, se o banco não atender a todas as pessoas, ele vai perder negócios — se não hoje, no futuro. Está, portanto, alinhado ao que dizem os entrevistados pela Business Insider.
Mas atenção: isso talvez não tenha nenhuma aplicação para você.
Se você não for uma empresa de enorme porte, com uma posição muito clara em relação a temas sensíveis à sociedade, com a clareza de qual a reação do seu público quando você tomar uma posição, pense duas vezes antes de tomar partido em questões sensíveis. Porque:
- Pode ser que a sua empresa apenas seja bombardeada nas redes sociais sem colher nada em troca.
- Pode ser que você seja uma empresa pequena ou média e que simplesmente não precise se posicionar. Lembre que você pode ganhar a confiança das pessoas de outra maneira — produto ou UX, as duas camadas inferiores daquele gráfico das três camadas).
- Pode ser que você seja uma empresa grande e que seu público simplesmente não espere que você se posicione.
- Pode até ser que você seja uma empresa gigante, voltada para o público jovem, e que tenha alto índice de confiança mesmo que as chances estejam contra você. Detalhe: chegamos ao ponto do público jovem mencionado pelos gestores da Warner e da NFL).
Não entendeu o último bullet?
Eu explico.
Em janeiro de 2020, Christian Sarkar e o famosíssimo guru do marketing Philip Kotler lançaram o livro Brand Activism: From Purpose to Action. Não é exagero dizer que eles atacam o capitalismo e defendem que as empresas adotem uma postura ativista daqui em diante. Ou seja, estão extremamente alinhados com a terceira camada da confiança proposta pelo estudo da Edelman.
Lá pelas tantas, o livro traz o resultado de uma pesquisa feita pela DLM Brands, que mostra como os estudantes americanos de 17 a 20 anos percebem as marcas numa escala que vai de “regressivas” a “progressivas”.
Em outras palavras, o eixo passa por marcas “más”, “exploradoras”, “fakers”, “não seja má” (este é o ponto neutro), “cidadãs”, “propositivas” e “ativistas”. Eis o resultado:

Acontece que no mesmíssimo mês de janeiro de 2020, o Marketing Charts apresentou dados do Morning Consults com as cinco marcas apontadas como donas do maior índice de confiança no mesmíssimo país, os Estados Unidos. Eis o resultado:
- USPS (serviço de correio americano);
- Amazon;
- Google;
- PayPal;
- The Weather Channel.
Observe que duas delas — Amazon e Google — aparecem no gráfico do livro. A primeira é uma “exploradora” e a segunda está no limite entre “faker” e “quase má”.
Sabe o que isso quer dizer? Que você não deve acreditar em toda pesquisa ou livro que lê por aí — e olha que sou autor de livro.
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.
Acima de tudo, você precisa se guiar pela lógica e pela peculiaridade dos seus negócios. Só porque está no livro do Kotler, do Seth Godin, do Peter Drucker, do Cassio Politi ou do Luciano Pires, não significa que serve para a sua empresa.
Marketing não é uma ciência exata. Confiança, muito menos.
Antes de tomar qualquer posição rumo à terceira camada, faça um exercício simples. Responda a estas perguntas:
- O seu público realmente espera um posicionamento da sua marca? Se sim, em qual área?
- Há evidências (como pesquisas) que sustentem a expectativa do seu público? Você não pode tomar uma decisão na base do palpite.
- Sua empresa tem uma posição autêntica a tomar? A Nike, por exemplo, acredita na diversidade do esporte porque o esporte é diverso por natureza. O Café Brasil tem ideias liberais porque seu fundador, Luciano Pires, carrega consigo esse posicionamento legítimo. Tenha uma posição legítima.
Tenha em mente que talvez haja uma margem de erro na pesquisa da Edelman e na análise de Sarkar e Kotler que os impeça de perceber algo inerente ao comportamento humano. Mais importante do que saber se a Amazon é feminista, democrata ou republicana, o consumidor está preocupado em saber se o cartão de crédito dele vai ser aprovado com rapidez e se a compra vai chegar em 24 horas conforme o anúncio.
Mais relevante do que saber se a USPS é antirracista, liberal ou progressista, o consumidor está preocupado em saber se o livro que ele comprou sobre content marketing vai chegar em cinco dias. Sim, porque quem comprava o meu livro quando os Correios estavam em greve aqui, no Brasil, em setembro de 2020, o recebia em 20 dias ou mais. Não preciso dizer que os Correios não aparecem em nenhuma lista de empresas mais confiáveis de lugar nenhum.
O recado aqui é: cuidado com essa história de que, para ganhar confiança, toda empresa deve tomar partido em tudo. Para algumas empresas pode fazer sentido, para outras não.
#3 Interação online
Há estatísticas em abundância que provam os impactos positivos para as marcas quando elas interagem com os consumidores em redes sociais. Não é difícil entender o porquê: é um gesto simpático. Aqui, me refiro aos diálogos cotidianos em que as marcas apenas batem papo corriqueiramente com consumidores, e não ao atendimento de reclamações — este tipo de conversa é o tema do próximo tópico.
A Live OPS criou em 2017 um infográfico que rapidamente se espalhou por diversos sites. É intitulado “Your Brand on Social Media” e apresenta alguns benefícios de marcas que se engajam por meio de redes sociais.
Alguns insights do estudo:
São sinais claros de confiança.
- Clientes engajados estão propensos a gastar 30% mais do que os que não estão engajados em conversas com as marcas em redes sociais.
- Aqueles que interagiram com a marca contam isso, em média, para 42 pessoas.
Diz o velho ditado que números não contam histórias. Então, vamos a alguns exemplos.
Existe um site chamado Fried Coffee, voltado para aquelas pessoas vidradas em café. Você talvez conheça gente desse nicho. Eu, aliás, tenho um grande amigo que é um desses caras. Basta ver o nome de usuário dele no Twitter: @CoachCafeinado.
O Fried Coffee publicou um post analisando por que o Starbucks é tão popular nos Estados Unidos, país de origem do site. Naturalmente, a análise teve um viés mais técnico e colocou a qualidade do café do Starbucks em primeiro lugar. Não perguntei ainda, mas o Abreu (nome verdadeiro do Coach Cafeinado) provavelmente discorda.
Em certo ponto do post, o site começa a listar o que me parece ser o verdadeiro fator gerador de confiança do Starbucks. São coisas como presença em redes sociais, força da marca, jeito único de se relacionar com as pessoas e por aí vai.
O diálogo é um desses elementos. Pode não ser o principal, mas certamente dá uma boa contribuição para fortalecer o relacionamento com o público. Você pode observar isso se clicar para ler os comentários de postagens como esta, na página da empresa no Facebook:
Por vezes, há críticas e reclamações em áreas de comentários, como essa, do Starbucks. Trato disso no próximo tópico.
O fato é que as empresas estão se sofisticando a tal ponto que começam a ganhar uma aliada importante na hora de bater papo com o público: a inteligência artificial.
A Alana é uma empresa brasileira especializada em desenvolvimento de IA para atividades de marketing. Uma de suas especialidades é criar robôs para fazer a função de atendentes via chat e emails, por exemplo.
Essa tecnologia já é capaz de fazer com que robôs compreendam uma brincadeira e devolvam na mesma moeda. Uma empresa cliente da Alana anunciou um produto em um post e um usuário respondeu, de forma bem humorada, que, pelo preço anunciado, “aquilo iria lhe custar dois rins e um fígado”.
A empresa havia configurado o robô da Alana para usar humor, inclusive com emoticons e GIFs. A resposta gerada pelo robô foi assim: “infelizmente, não estamos aceitando órgãos. Mas você pode comprar parcelado em 12 vezes no cartão ou à vista no boleto, com desconto. E, no final, você ainda vai ficar com os seus órgãos :-)”. Tudo criado por inteligência artificial sem a intervenção humana.
Impressionante, não?
Perceba que não é exatamente o robô quem cria a conexão com o público. Ele é apenas o facilitador dessa relação. “A inteligência é artificial porque ela simula a inteligência humana”, explica André Calvente, gerente de marketing da Alana. Ou seja, gerar confiança com o cliente é parte da cultura da empresa. A tecnologia é apenas uma ferramenta para colocar essa cultura em prática.
Em tempo: fiz uma entrevista com o pessoal da Alana, que foi ao ar no Podcast-se em 14 de outubro de 2020. Está neste link. Vale a pena ouvir.
#4 Atendimento on e offstage
Clientes insatisfeitos reclamam e as empresas têm a oportunidade de converter detratores em defensores da marca. Mais do que isso, têm a chance de mostrar às outras pessoas que elas dão atenção aos clientes quando acidentalmente as coisas não vão como o esperado na sua operação. Esse é o princípio apresentado no livro Hug Your Haters, de Jay Baer.
Você provavelmente já se deparou com uma situação assim.
Vou contar uma experiência pessoal. Minha esposa e eu estávamos procurando um hotel. Queríamos uma opção que nos permitisse uma viagem de carro. Tínhamos uma semana de férias e queríamos um lugar no interior que nos permitisse ir de carro. Estávamos com certa preguiça de pegar avião.
Fizemos buscas online, pedimos indicações a amigos e uma das opções que avaliamos entre as finalistas foi o Santa Clara Resorts, em Dourado, no interior de São Paulo. Fui ao TripAdvisor ler os reviews. O hotel tem, na média, nota máxima (5 estrelas em 5 possíveis).
Tenho o hábito de ativar o filtro para ler os comentários negativos, que são aqueles que atribuíram 1 ou 2 estrelas. Minha lógica é a seguinte: se muitos clientes fazem as mesmas críticas, e se elas forem graves, isso me gera um sinal de alerta.
No caso do Santa Clara, observei que a equipe costuma responder aos comentários, especialmente aos mais cabeludos — como este, de um usuário chamado Alexandre:
“O hotel é bonito. A equipe é atenciosa. Porém, o restaurante é algo realmente impressionante. Todas as mesas e cadeiras são meladas. Os jogos americanos colam nas mesas. A quantidade de moscas, mosquitos e insetos voadores é de dar nojo. Não sou nenhum tipo de urbanoide alienado. Obviamente, um lugar repleto de árvores, lagos e rios será tomado por uma quantidade grande de insetos, porém aqui a quantidade é absurda. Ler um livro na varanda ou nas cadeiras das piscinas é irritante. Pontos positivos: os monitores são ótimos. As crianças adoraram.”
A resposta do Santa Clara foi esta:
“Prezado Alexandre, bom dia. Obrigado pela sua avaliação e principalmente por ter escolhido o Santa Clara para sua hospedagem e de sua família. Agradecemos aos elogios, em especial a nossa monitoria e equipe. Nos desculpe pelo transtorno com insetos. Estando dentro de uma área verde é algo comum. Esperamos revê-los. Equipe Santa Clara”
Observando o conjunto dos demais comentários negativos, inclusive aqueles postados por gente que avaliou mal o hotel, você não se convence de que o lugar é repleto de insetos nem de que o restaurante é sujo. Afinal, há poucas (ou mais nenhuma) críticas nesse sentido e muitos elogios em contrapartida. Mas, principalmente, porque a gerência do hotel responde aos comentários. Isso é uma forma de marketing de confiança.
No final das contas, eu resolvi passar uma semana no Santa Clara. Não havia moscas, o restaurante é ótimo, o hotel justifica as cinco estrelas que aparecem na nota do TripAdvisor e eu até o recomendei a pessoas próximas — meu irmão decidiu ir para lá alguns meses depois.
Voltando ao marketing de confiança, Jay Baer classifica os haters em duas categorias: onstage (no palco) e offstage (fora do palco).
Onstage hater
A tradução literal seria algo como detrator em cima do palco. Ou seja, é aquele que posta sua crítica para que outras pessoas vejam. Ele pode fazer isso no TripAdvisor, como o caso do hóspede Alexandre, mas a maioria o faz em redes sociais.
Citei o Starbucks como um exemplo de empresa que sabe dialogar com os clientes, mas mostrei mais os seus defensores. Há detratores também até mesmo em marcas amadas, como essa rede de cafeterias.
Uma cliente fiel quis chamar a atenção para sua insatisfação com um café aguado do Starbucks da Avenida Paulista, em São Paulo. Aproveitou uma postagem regular e manifestou sua insatisfação no dia 14 de outubro.

Perceba que ela é cliente assídua, que usa o app de fidelidade do Starbucks. Esse app permite que você faça pagamentos por ele, colecione estrelas, ganhe recompensas e avance em seu status como cliente à medida que consome mais. Ou seja, dizer que tem o app realmente indica ser um cliente fiel.
Como não obteve resposta, no dia seguinte (15) ela colocou o mesmo comentário em outro post.

No dia 16, ela fez a terceira tentativa.

Até a coleta deste material, no dia 18, o Starbucks não havia respondido. O ideal é que o faça, como recomenda enfaticamente Jay Baer no Hug Your Haters.
O propósito aqui, no entanto, é apenas exemplificar um onstage hater, conforme a definição do livro. O objetivo desse tipo de detrator é não apenas deixar a empresa ciente de sua insatisfação, mas também torná-la pública para que outras pessoas vejam.
Quando a empresa consegue interagir e responder, ela tem duas chances de vencer. A primeira é reconquistar a confiança daquela pessoa insatisfeita — e talvez até transformá-la em defensora da marca pela resposta altamente satisfatória. A segunda é de mostrar para o conjunto de pessoas que vão ler aqueles diálogos que a empresa é confiável — caso do Santa Clara no TripAdvisor. Eu e meu irmão somos as provas vivas de que isso funciona.
Offstage hater
A tradução livre para o termo seria detrator fora do palco, que reclama por canais privados, como emails, DMs, chats particulares e outros. Eles querem ter seus problemas como clientes resolvidos.
Na condição de consumidores, todos nós temos uma história de atendimento para contar, seja ela com final feliz ou triste, mas quase sempre envolvendo aborrecimento.
Eu tinha viagem marcada para participar pela 9ª vez do Content Marketing World 2020, que é realizado todos os anos em Cleveland, nos Estados Unidos, desde 2011. Depois do evento, eu viajaria com a minha esposa para a Califórnia para uns dias de férias. Comprei todas as passagens em fevereiro para o evento, que seria em outubro de 2020. Só não contava com a pandemia.
Em setembro, faltando um mês para o que seria a viagem, decidi cancelar e pedir o reembolso de um voo interno. Ainda estava no prazo para isso. Foi quando descobri que eu havia deletado (ou nunca recebi, não sei) o email com a confirmação da compra da passagem. Não conseguiria, assim, fazer o pedido pelo site da United. Não ter o email era um problema, mas não deveria ser tão grave assim, pensei comigo. Deve haver uma maneira fácil de resgatar os detalhes da compra.
Telefonei para o call center da United e eles não podiam me ajudar. Precisavam dos dados que estavam no email. Mas aí é que está: eu não tinha o email. Forneci todos os outros dados possíveis: nome completo, número de passaporte, número de cartão de crédito usado na compra. Nada adiantava. Terminei o telefonema um tanto irritado com a burocracia da atendente americana.
Entrei no Twitter e, via DM (mensagem privada), comecei a conversar com o perfil da empresa, já esperando má vontade similar à do call center. Para a minha surpresa e sorte, a postura nesse canal foi completamente diferente. Depois de algumas tentativas frustradas, o atendente finalmente conseguiu encontrar a minha reserva. E pareceu feliz por ter me ajudado:
“Hey! Consegui localizar a sua reserva! Já enviei um recibo para o seu endereço de e-mail com o arquivo correspondente. Você também pode recuperar a sua reserva online usando o número de confirmação: XXXXXX. By the way, parece que houve uma mudança de horário. Por isso, recomendo que você verifique o itinerário no site”.
A confiança na United que a atendente do call center quase me fez perder foi inteiramente recuperada no contato via Twitter. Fui um típico caso de offstage hater, que, aliás, foi convertido para cliente satisfeito. Tanto que nem pedi reembolso. Mantive o crédito lá para usar numa viagem futura.
As empresas estão buscando cada vez mais atender melhor — e mais rapidamente. Para isso, novamente usam tecnologia. A Alana, a mesma empresa de inteligência artificial que já citei antes, desenvolveu um sistema de resposta de emails capaz de responder a demandas de consumidores.
Outro caso interessante que a Alana tem para contar é de uma grande organizadora de eventos. Por causa da pandemia do Covid-19, muitos usuários pediram cancelamento de um show que seria realizado no Nordeste. O sistema era, sozinho, capaz de responder aos emails e fazer o reembolso caso o pedido obedecesse a determinadas regras, como prazo de antecedência.
No mesmo podcast, Marcel Rosa explicou que os robôs só conseguem atender até um ponto. Casos que fogem às regras previstas, como os excepcionais, são passados para a análise dos gestores. O que, aliás, não deixa de ser um fator em prol da confiança também. Delegar 100% aos robôs sem a supervisão de humanos seria temerário. Marcel Rosa, um dos fundadores da Alana, explica:
“Você não precisa gastar o tempo de um colaborador humano para responder coisas mecânicas, como, por exemplo, qual o DDD de uma pessoa que quiser fazer uma ligação de Natal para o Rio de Janeiro.”
Marcel Rosa (Alana)
Portanto, ao usar tecnologia para responder com agilidade, você ganha confiança das pessoas.
Até porque offstage haters podem se tornar onstage haters se a experiência de atendimento for ruim. Segundo o Hug Your Haters, os fatores que mais pesam, por ordem de importância, são estes:

Dando um zoom no primeiro fator, que é o tempo de resposta, em 2018 o Clutch publicou um estudo que mostra o tempo de resposta a seus comentários que as pessoas estão dispostas a esperar nas redes sociais. Vale, portanto, tanto para on quanto para offstage haters.

Conclusão: não basta responder. Precisa ser ágil.
Há mais fatores de confiança?
Provavelmente, sim, há mais.
Listei quatro fatores de confiança porque são os que ficaram evidentes nesta investigação. Mas estou longe de encerrar o assunto.
Eu desconfio que a humanização, por exemplo, também seja um fator gerador de confiança entre marca e público, mas isso carece de outra rodada de investigação. Voltarei ao tema em algum momento.
Takeaways
Confiança é um sentimento e, como tal, não pode ser tratado como uma ciência exata. Ainda assim, é possível inferir que existem três camadas da confiança conquistada pela marca: produto, UX e alinhamento em torno de uma causa. Existem pelo menos quatro formas de estimular esse sentimento, que aqui chamamos de marketing de confiança. São eles: conteúdo educativo, defesa de uma causa, interação online e atendimento on e offstage.