Uma cápsula de 1.300 kg com menos de 2 metros quadrados lentamente levanta voo içada por um balão de gás hélio. Durante 2h35 minutos, sobe até alcançar a estratosfera, a 39.045 metros de altitude. Os olhos do único tripulante, o austríaco Felix Baumgartner, então com 43 anos, vislumbram o horizonte semicircular. Lá de cima é possível, sim, observar a curvatura da Terra. Felix abre a porta da pequena cápsula. Do lado de fora, a temperatura é de 50 graus Celsius negativos e a pressão atmosférica corresponde a 1% da pressão ao nível do mar.
Para sobreviver a esse ambiente, Felix precisa mais do que uma roupa de 13 kg usada por astronautas e de um capacete de 3,5 kg desenvolvido para esportes radicais. Ele precisa vencer a claustrofobia e, por isso, traz na bagagem sete anos de preparação psicológica, física e técnica focada especificamente naquele momento.
Felix olha para fora por uns minutos. Sabe-se lá o que passa em sua cabeça. Talvez pense que, caso a roupa sofra um pequeno rasgo, sofrerá despressurização. Ou talvez pense que, se rodar descontroladamente, poderá sofrer hemorragia cerebral. Ou, ainda, que pode simplesmente desmaiar por causa da forte aceleração. Qualquer dessas hipóteses será literalmente fatal.
Finalmente Felix se lança para fora da cabine em direção à Terra. Em apenas 40 segundos, chega a 1.200 km/h e supera a velocidade do som. Mais alguns minutos e ele alcança 1.343 km/h. Em terra firme, lá embaixo, dezenas de pessoas da equipe envolvida no projeto assistem apreensivas à queda livre. Acompanhando o salto pela internet em tempo real, seus familiares prendem a respiração.
Após 4 minutos e 19 segundos, o paraquedas se abre. A equipe vibra. “Treinamos bastante e agora estamos sendo recompensados”, comemora Felix pelo rádio. Pouco mais de 9 minutos depois de deixar a cápsula, o austríaco finalmente toca com os pés um pedaço desértico e empoeirado de terra do estado americano do Novo México. No dia 14 de outubro de 2012, o austríaco se torna o primeiro ser humano a quebrar a barreira do som sem ajuda mecânica. Seu salto será para sempre lembrado como o mais alto e mais veloz de todos os tempos até aquela data.
Você talvez esteja se perguntando: o que essa experiência tem a ver com content marketing? Afinal, ela está repleta de fins científicos, como o desenvolvimento de roupas espaciais, o estudo dos efeitos de altitude, acelerações e desacelerações no corpo humano e o avanço de técnicas de paraquedismo. Sob essa ótica, não tem mesmo nada a ver com conteúdo nem marketing.
Acontece que o propósito central não era científico. A transmissão ao vivo do supersalto da estratosfera tornou-se o vídeo ao vivo com o maior número de visualizações simultâneas da história, com pico de 8 milhões de pessoas assistindo a ele ao mesmo tempo.
Para que o registro ficasse completo, Felix saltou monitorado por sete câmeras GoPro presas em sua roupa. Outras tantas câmeras posicionadas na cápsula e no solo registraram seu voo e sua aterrissagem. No final das contas, as imagens buscavam contar uma história que tivesse a ver com a essência da marca por trás do projeto, batizado de Red Bull Stratos.
Se uma emissora convencional de televisão cria novelas, telejornais, programas de auditório etc., por que uma marca austríaca de energéticos não pode agir da mesma forma e criar conteúdos à sua maneira, com total relação à sua verdade como marca, capaz de construir uma audiência? O slogan que diz que Red Bull te dá asas nunca esteve tão presente e de forma tão intensa numa história genuína, real, ao vivo e cheia de riscos. Pouco mais de quatro anos depois do salto, somente no YouTube o vídeo oficial do salto tinha sido visto 39,8 milhões de vezes.
O mais interessante é que o Stratos não foi uma ação isolada. Ele faz parte de um conjunto de vídeos publicados continuamente no canal Red Bull TV, que mostra experiências que tangenciam os limites da física e do homem. Ao contar essas histórias, a Red Bull conquista mais e mais fãs que, de alguma forma, se identificam com sua forma de pensar e de se comportar. Em outras palavras, forma continuamente aquilo que chamamos de público-alvo.
Casos como este, da Red Bull, e outros como Lego, Duck Tape, Itaú e muitos outros, encantam não apenas por causa da excelente produção. Impressionam mais pela estratégia do que da operação.
Aliás, você sabe a diferença?
Estratégia x operação
Uma explicação simplificada entre a diferença dos dois conceitos seria esta: estratégia é a escolha de quais caminhos seguir. Operação é a execução de um plano após a escolha do caminho.
Você já ouviu falar na cerveja Polar? Bem… se você for do Rio Grande do Sul, certamente sim. Se for de qualquer outro lugar do planeta, talvez não. Porque a Polar é conhecida como a cerveja gaúcha. Seu rótulo ficou famoso por trocar a tradicional frase “for export” — que indica que a bebida é tipo exportação — para “no export”. Ou seja, é vendida somente no Rio Grande do Sul.
Ao optar por não ser comercializada em nenhum outro lugar, a Polar perde mercado potencial, sem dúvida. É aí que se evidencia a estratégia: ao optar por ser restrita ao Rio Grande do Sul, a cerveja se torna competitivamente muito mais forte no mercado local. Portanto, é uma escolha, que não apenas afeta o negócio, mas o norteia. Portanto, estratégia envolve necessariamente decisões e escolhas.
Michael Porter, professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é um dos mais renomados autores de marketing de todos os tempos. Na edição de novembro-dezembro de 1996 da revista Harvard Business Review, ele publicou o artigo “O que é estratégia?”, ainda hoje referência no tema.
“Eficácia operacional (EO) significa realizar atividades semelhantes melhor que os concorrentes. Em contraste, o posicionamento estratégico significa realizar atividades diferentes daquelas dos concorrentes ou realizar atividades semelhantes de maneira diferente.”
Em 1996, ele não saberia que a tecnologia permitiria algumas das mais impactantes mudanças na vida das pessoas graças às empresas que adotaram estratégias diferentes de seus concorrentes. Apple, AirBNB e Uber são três das que mais gostamos de citar.
É claro que a estratégia apenas não basta. A execução de um plano inovador é que viabiliza o sucesso — e o artigo de Porter cobre esse aspecto também. E é justamente por isso que as empresas se perdem. Elas focam demais na operação e na maioria das vezes ignoram por completo. Quem diz isso é o próprio Porter numa palestra publicada pelo usuário Kirenz Analytics no YouTube, em novembro de 2015.
“A maioria dos gestores concordam comigo na afirmação de suas empresas precisam de uma estratégia. A concorrência está ficando mais forte, os mercados estão se abrindo. Não basta mais estar no mercado nem ter uma história para ter sucesso. É necessário merecer o sucesso e, para isso, você precisa de uma estratégia. Mas descobri algo singular: a maioria das empresas não tem uma estratégia. Todo o mundo trabalha duro, vai para o escritório todo dia e faz muitas coisas. Mas não há estratégia em nenhum sentido que essa palavra possa ter.
Há muita confusão hoje sobre estratégia. Há muitos vícios de gestão que confundem os líderes à medida na criação de uma estratégia para suas empresas. Eu gostaria, então, de fazer algumas perguntas muito básicas. Você tem uma estratégia para sua empresa? Como você comunica os princípios nos quais a sua estratégia deve se basear? Sua estratégia é sustentável? Você conseguiria mantê-la ao longo do tempo e continuar tendo sucesso? São perguntas muito básicas que todos nós precisamos responder em nossas empresas.”
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.
Estratégia em content marketing
No âmbito do content marketing, a confusão citada por Porter também é recorrente. Muitos profissionais pensam o plano de conteúdo primeiro por canais ou ferramentas. Do tipo “precisamos ter nossa conta em redes sociais” ou, então, “precisamos usar inbound marketing para vendermos mais”.
Para o consultor e autor holandês Bert van Loon, ferramentas e canais fazem necessariamente parte da operação.
“É preciso ter conhecimento, conteúdo e expertise para fazer a tecnologia funcionar. Você pode usar tecnologia para fazer seu processo de marketing atrair, otimizar e converter clientes, mas a chave é a estratégia analítica e o conceito de criatividade brilhante que fazem a diferença entre você e seus concorrentes. Portanto, ferramentas e tecnologias são apenas o meio.”
Até mesmo especialistas em ferramentas de redes sociais, como o irlandês Ian Cleary, do Razor Social, reforçam a importância de uma operação ser regida pela estratégia.
“Não é porque não cobrimos estratégia que ela não é importante. Não importa quais ferramentas você tem em mãos, se você não tiver a estratégia, as ferramentas não vão ajudar. A estratégia vai se manter e as ferramentas podem mudar. Você tem de ter a estratégia primeiro. O que acontece é que ou as pessoas não têm a estratégia certa ou não investem o tempo necessário para validar a ferramenta para terem certeza de que aquela é a ferramenta certa para a empresa.”
Outro problema é que a palavra “estratégia” virou moda. No Brasil, não é diferente. Recentemente, uma agência de marketing digital de São Paulo compartilhou comigo uma proposta de trabalho que enviou a um cliente. Um dos itens era o seguinte: “produção de conteúdo estratégico de redes sociais”. Esse tipo de salada conceitual mostra o completo desentendimento dos conceitos que Porter esclareceu. Produzir conteúdo em redes sociais é operação — jamais estratégia.
Quando escolheu concentrar grande parte de seus esforços em conteúdos capazes de gerar conexão com seu público, a Red Bull tomou uma decisão estratégica. Escolheu um caminho. Depois, na operação, concluiu que a melhor maneira de fazer isso seria por meio de uma Media House, com fortes conteúdos audiovisuais. É aí que começa a operação.
Takeaway
Estratégia é o ponto de partida de um plano de marketing — e o mesmo vale para content marketing. Um bom gestor primeiro escolhe caminhos. Só então define como fazer a operação que cumpra a estratégia definida.∞