Você é daquelas pessoas que concordam com a ideia de que a internet impulsiona o debate e, portanto, a democracia? Pois eu, democraticamente, discordo. A internet agrupa pessoas que pensam de maneira similar. A democracia no Facebook não passa de teoria.
Quem pertence a um grupo não está disposto a dialogar com quem pertence a outro grupo. Pense em times de futebol, partidos políticos e temas polêmicos — como aborto, legalização das drogas, comportamento, cotas raciais nas universidades. Você vê muito mais quebra-pau do que troca de ideias entre donos de visões divergentes.
Embasamento
Quem diz isso não sou eu, mas uma pesquisa do Laboratório de Ciência Social Computacional ligado ao Instituto de Estudos Avançados IMT em Lucca, na Itália, cujo relatório (em inglês) você pode baixar.
A experiência foi focada em dois tipos de página no Facebook: 32 com boatos que espalham teorias conspiratórias sem nenhuma base de informação segura; e 35 com notícias científicas verídicas. Os pesquisadores observaram durante quatro anos o comportamento de 1,2 milhão de pessoas que se relacionaram com essas duas páginas.
Uma das conclusões do estudo foi essa:
“A ampla disponibilidade de conteúdo fornecido por usuários de mídias sociais on-line facilita a agregação de pessoas em torno de interesses comuns, visões de mundo e narrativas. No entanto, a World Wide Web é um ambiente fértil para a difusão maciça de rumores não confirmados. Neste estudo, utilizando uma análise quantitativa maciça do Facebook, mostramos que as informações relacionadas às narrativas distintas — teorias da conspiração e notícias científicas — gera comunidades homogêneas e polarizadas (ou seja, câmaras de eco) com padrões de consumo de informação similares. Então, obtemos um modelo de percolação orientada ao espalhamento dos rumores, o que demonstra que a homogeneidade e a polarização são os principais determinantes para prever o tamanho do efeito cascata.”
A verdadeira democracia no Facebook
A aclamada democracia no Facebook permite que você diga o que bem entender, desde que todos concordem. Experimente postar uma opinião contrária à da maioria dos seus contatos na rede social. É simples: você sofrerá um linchamento virtual.
Vou dar um exemplo recente. O publicitário Ícaro de Carvalho publicou no começo deste mês, no Medium, o post intitulado “Por que a indústria do empreendedorismo de palco irá destruir você“. Ele critica os palestrantes motivacionais que falam sobre empreendedorismo. Mesmo sem ter cases para mostrar, movem multidões e entregam um conteúdo raso, mas empolgante. A maioria dos comentários concordaram com ele (o meu, inclusive). Houve quem discordasse e contra-argumentasse. Só não faltaram os opositores que, mais preocupados em atacar o autor, confirmam a tese dos pesquisadores italianos.
Frustração
Você talvez se lembre do egípcio Wael Ghonim, funcionário do Google que se destacou na mobilização de pessoas via redes sociais durante os protestos da Primavera Árabe que derrubaram, em 2011, o ditador Hosni Mubarak. No final do ano passado, ele encerrou sua participação no Ted Talks com uma frase forte:
Wael Ghonim
“Cinco anos atrás, eu disse: ‘se você quiser libertar a sociedade, tudo o que você necessita é a internet’. Hoje acredito que, se queremos libertar a sociedade, primeiro precisamos libertar a internet.”
Em outras palavras, o fenômeno da democracia no Facebook nasceu para o bem, mas agora as pessoas precisam saber lidar com o mau uso da liberdade de expressão.
E as marcas?
Você talvez esteja se perguntando: este artigo diz respeito a comportamento humano ou a content marketing? Bem, tecnicamente, a content marketing, mas é impossível falar de um sem considerar o outro.
Gestores frequentemente se veem diante desta máxima: “toda marca deve permitir que seu público insira comentários no conteúdo. Interação é tudo”. Calma lá. Interagir com o público é apenas uma ferramenta. Ninguém precisa necessariamente de um martelo — a não ser que queira fincar um prego na parede. Portanto, os objetivos da empresa vêm primeiro.
Mas suponhamos que a empresa faça essa avaliação e opte por permitir a interação. Nesse caso, ela deve ter em mente dois pontos:
- A maior parte do seu público provavelmente não está preparada para interagir. Em alguns mercados mais, noutros menos, mas sempre existe a chance de a área de debates virar um ringue. Em nome da democracia no Facebook, as pessoas declaram guerras a quem tiver opinião divergente.
- Interagir consome horas de trabalho — e, portanto, orçamento. É muito arriscado acreditar que aquele funcionário mais familiarizado com mídias digitais consiga dar conta da interação nas horas vagas.
Uma saída
Uma saída que costuma funcionar é criar um ambiente específico para essa interação. American Express, McDonald’s e Starbucks são ótimos exemplos. Criaram sites para essa finalidade. Seus sites, suas regras.
Quando se trata de área de comentários, a linha que separa a democracia da anarquia é muito tênue. Portanto, as marcas devem buscar um ambiente em que qualquer pessoa possa se manifestar a favor ou contra qualquer ideia — desde que faça isso de forma civilizada, promovendo o diálogo. Esta, sim, é a verdadeira interação democrática.∞

Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.