Saí do cinema com a certeza de que aquele filme tinha sido marcante. Nunca mais se apagaria da minha mente. Ontem, antes de a cerimônia começar na televisão, me perguntei: será que Spotlight: Segredos Revelados leva o Oscar de melhor filme? Minha resposta honesta foi “sei lá”. Tal qual Glória Pires, não me sentia capaz de opinar porque ainda não assisti a O Regresso (ou seria O Retorno?) nem a Brooklyn, embora tenha achado ‘bacana’ A Grande Aposta e concordado com o André Rosa quando ele disse que Perdido em Marte é uma refilmagem de O Náufrago, só que em outro planeta. Bem, se os comentários da Glória Pires não ajudaram muito, os meus muito menos.
O que posso afirmar com um pouco mais de propriedade sobre Spotlight diz respeito a content marketing. Não me refiro exatamente ao filme, mas à história contada nele. Em suma, o jornal americano Boston Globe publicou em 2002 uma reportagem que revela casos de abuso sexual de padres cometidos contra crianças em Boston e acobertados pela Igreja Católica. Logo a denúncia se tornou um escândalo mundial. O furo de reportagem valeu o prêmio Pulitzer de 2003.
O filme mostra que não se trata apenas de uma reportagem bem sucedida em meio a tanto conteúdo publicado diariamente. É algo muito mais estruturado do que isso. Spotlight — que significa “holofote” em português — é o nome da equipe de reportagens especiais do Boston Globe. Isso não é ficção: o expediente ainda hoje mostra a composição da equipe Spotlight na vida real. Seus repórteres ficam fora da cobertura diária e, assim, passam meses imersos numa apuração. Quando concluem, vem a reportagem especial seguida de diversas suítes — nome dado no Jornalismo às matérias complementares que mostram o desdobramento de uma notícia nos dias seguintes a ela.
É esse exemplo que podemos replicar em um plano de content marketing: um conteúdo especial fatiado em vários pedaços menores faz mais diferença na vida das pessoas do que o conteúdo cotidiano. A desvantagem dos veículos de comunicação é viver de publicidade e, por isso, eles precisam publicar o tempo todo, mesmo que não haja nada novo ou importante a ser dito. Já empresas que vendem produtos e serviços diversos não têm a mesma necessidade.
Apresentei uma vez aqui a tática do leitão assado, do dinamarquês Joakim Ditlev, que recomenda que as empresas se concentrem apenas no material especial, reaproveitando-o em diversos formatos — como texto, vídeo, evento, infográfico etc. É como se elas só tivessem a equipe de Spotlight sem precisar manter o restante da redação. A opção é válida especialmente para quem não tem estrutura nem verba para criar conteúdo em quantidade. É produzir pouco para produzir bem.
O americano Jay Baer é um dos principais consultores e autores dos Estados Unidos. Seus livros Youtility e Hug Your Haters figuram entre os mais importantes de content marketing no mundo. Em suas palestras, ele destaca a importância do conteúdo de qualidade.
“A competição comoditiza a competência. Todos os dias, todos estão ficando melhores em blogs, podcasts, eventos. Todos estão no mesmo nível. Mas há uma coisa que ninguém pode tirar de você: o seu amor pelo conteúdo. Você está fazendo conteúdo ou está fazendo a diferença? Você realmente ama o seu conteúdo? Não confie nas pessoas da sua empresa que tentam criar a máquina de fazer conteúdo. É a paixão que distingue você.”
Para o fundador do Content Marketing Institute e maior autoridade sobre o tema no mundo, Joe Pulizzi, content marketing está começando a entrar em declínio. O motivo: há muitas empresas fazendo conteúdo de qualquer maneira. Preocupam-se mais em preencher seus sites, blogs e redes sociais com artigos elaborados por terceiros do que em criar autoridade compartilhando conhecimento. Para Joe, será uma seleção natural: quem fizer conteúdo genuíno vai ter sucesso. Os outros vão simplesmente morrer.
Todos os dias, milhões de reportagens são publicadas em todo o mundo, mas poucas viraram filme e somente uma levou a estatueta. Seja o Spotlight do seu mercado.∞
Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.