Mark Schaefer é um dos meus autores preferidos. No livro Marketing Rebellion, ele conta que conversa todos os dias com profissionais de marketing e ouve que as coisas simplesmente não andam funcionando mais como costumavam funcionar nas empresas. É aí que está o problema: a maioria dos profissionais de content marketing não reconhece o impacto do que ele chama de terceira rebelião.
Mas o que é a tal terceira rebelião? Para entendê-la, é preciso conhecer as duas rebeliões que a antecederam.
A primeira rebelião se deu no início do século passado. Naquela época, era comum as empresas mentirem e enganarem os consumidores. Em 1905, então, essa série de fraudes gerou uma revolta popular. A partir disso, criaram-se regras e leis para regular a propaganda. É isso que Mark Schaefer chama de a primeira rebelião do marketing, com o fim das mentiras.
Fiz uma resenha do Marketing Rebellion, que você pode baixar aqui, e de onde extraio o conteúdo deste post. Na resenha, você vai conseguir se aprofundar um pouco mais nos conceitos e, principalmente, conhecer exemplos que ilustram as três rebeliões. A terceira, inclusive, que diz respeito ao fim do controle por parte das empresas.
A segunda rebelião teve início talvez nessa mesma época e perdurou muitas décadas — até os anos 1990 — e diz respeito às empresas conseguirem controlar informações. A ideia era manter seus segredos protegidos do alcance do público. Mark Schaefer chama de segunda rebelião justamente o movimento que impôs o fim desses segredos. As pessoas começaram a exigir mais transparência na relação.
Por mais de um século, as maiores marcas do mercado foram erguidas com base no acúmulo de impressões de publicidade. Acontece que hoje é diferente. As marcas precisam ser construídas tendo como alicerce o acúmulo de impressões humanas.
Estamos nos movendo em direção a um mundo livre de assinaturas, mais humano, mais emocional, livre de anúncios, sem funil, livre de fidelidade a grandes marcas. Mark Schaefer, então, nos alerta para o fato de que os clientes estão no comando. Eles são o departamento de marketing. Esta é a terceira rebelião.
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.
O problema é que os profissionais de marketing não se dão conta de que a transformação está ocorrendo com os seus clientes.
Um estudo conduzido por Tom Farrell nos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália e apresentado na Martech Series ilustra como os profissionais de marketing hoje falham na hora de se conectar com seus clientes:
- As empresas acreditam que apenas 13% das mensagens enviadas pelos seus times de marketing não foram solicitadas pelas pessoas. No entanto, os consumidores sentem que 85% das mensagens que recebem das empresas são SPAM.
- As empresas acreditam que 81% das suas mensagens de marketing são relevantes e úteis, mas 84% dos consumidores dizem que essas comunicações não são nada úteis.
- As empresas acreditam que 75% das suas comunicações corporativas são personalizadas, mas só 17% dos consumidores sentem o mesmo.
As três rebeliões de marketing acabaram com mentiras, segredos e controles de marketing. Com mais poder, os consumidores são menos fieis e mais bem informados. Por isso, eles confiam menos em empresas e marcas hoje do que confiaram em qualquer outro momento da história.
Essa afirmação me fez pensar numa experiência recente. É uma experiência pessoal, que vou pedir licença para contar apenas porque cai como uma luva para o conceito desenvolvido por Mark Schaefer em seu livro.
Antes preciso dizer que, ao começar a ler o livro, tinha dúvida sobre não existir fidelidade do cliente. Eu me considerava fiel à Honda e sabia explicar o porquê: Ayrton Senna. Passei a adolescência vendo a câmera onboard da McLaren do Senna com aquela logomarca da Honda no centro do volante. A Honda teve papel decisivo nos três títulos mundiais de Fórmula 1 do nosso herói.
Depois de alguns anos de carreira, quando finalmente tive condições financeiras para tal, comprei um Honda. E hoje ainda tenho um. Pois bem, era antevéspera de Natal de 2019 e eu precisaria viajar para a cidade da família da minha esposa, no interior de Minas Gerais, a 550 km de São Paulo, como fazemos todos os anos. Seria uma longa viagem até lá. Meu carro tinha saído da revisão poucos dias antes, mas percebi um leve desalinhamento no volante. Levei-o de volta à concessionária. Fizeram os testes e realinharam, mas antes de descer o carro da rampa, o funcionário me alertou: “seus pneus estão ficando velhos. É melhor trocar”. Será?
O funcionário começou a dar uma explicação técnica, mas com um quê de vendas, ampliando meu problema: “vai que pega uma chuva, tem de ter cuidado com a segurança da família”. Sem muita cerimônia, achei um vídeo no YouTube que explica didaticamente como avaliar o desgaste dos pneus com base nas marcas TWI. Concluí que todos os quatro estavam quase no limite. Na checagem, notei, ainda, um pequeno corte na lateral de um dos pneus. Outro vídeo no YouTube era claro: com rasgos como aquele, o pneu deve ser trocado porque pode estourar do nada.
Pedi um orçamento ao vendedor da Honda. Enquanto ele levantava preços, encontrei no Google Maps uma loja concorrente, da rede Dellavia, especializada em pneus, a 800 metros dali. Telefonei e pedi um orçamento. Minutos depois, tinha em mãos os dois orçamentos. Eram praticamente iguais.
Havia duas diferenças nas propostas. A primeira: a Dellavia finalizaria o serviço em duas horas e a Honda, em quatro horas. A segunda: os reviews da marca dos pneus vendidos pela Dellavia eram melhores na internet. Além disso, mandei um WhatsApp para um amigo que entende de carros. Ele também me recomendou a marca de pneus oferecidos pela Dellavia. Pronto, a decisão estava tomada.
Minha fidelidade à Honda não estava mais invicta a partir daquele momento. Foi a primeira vez que fiz um serviço fora da concessionária — na qual, aliás, continuo confiando. Mas o fato é que Mark Schaefer está coberto de razão. Ao usar a tecnologia, o consumidor não apenas aprende coisas novas sobre o mercado. Ele assume o completo controle das suas decisões e passa, inclusive, a usar a tecnologia para manipular as tendências, seja para melhor ou para pior.
Observe o caso da Honda. Há um forte componente humano que nos faz pensar que, mais do que entender sobre a evolução tecnológica, as empresas precisam entender sobre seres humanos. Ou, ampliando essa análise, mais do que observar o que vai mudar, as empresas precisam observar o que não vai mudar.
Numa entrevista à Inc. Magazine em janeiro de 2018, o fundador da Amazon, Jeff Bezos, disse algo que precisa ser lido e memorizado porque vale para a vida.
“Sempre me perguntam o que vai mudar nos próximos dez anos. Ok, é uma pergunta interessante. Mas quase nunca recebo esta pergunta: ‘O que NÃO vai mudar nos próximos dez anos?’. Eu digo que esta segunda pergunta é a mais importante entre as duas porque você pode criar uma estratégia de negócios em torno das coisas que são estáveis ao longo do tempo.”
Os consumidores se rebelam contra as nossas mentiras, segredos e controle há cem anos quando não damos a eles o que eles sempre quiseram. Não é a empresa mais automatizada nem a melhor tecnologia que vai vencer. Também não é o funil de vendas mais cuidadosamente planejado que vai ganhar. É a empresa mais humana.
O marketing, em sua essência, é a interseção de todas as coisas humanas.
Isso quem está dizendo em Marketing Rebellion não é Mark Schaefer, o que já seria uma fonte de suficiente credibilidade. Mas ele está bem amparado em lições de Philip Kotler e Jim Ferry, que se baseiam em duas boas lições humanas de estratégia de marketing:
- Os profissionais de marketing precisam aproveitar a tecnologia para atender os clientes, e não abusar deles.
- Nossos princípios orientadores devem ser baseados em constantes necessidades humanas, não em forças tecnológicas oportunistas.
Na prática, como aplicar essas ideias hoje? Bem, é preciso considerar que as pessoas querem:
- Se sentir amadas;
- Pertencer a alguma coisa;
- Proteger seus próprios interesses;
- Encontrar significado;
- Ser respeitadas.
O marketing realmente trata de todas as coisas humanas. É uma questão, então, de fazer a conexão entre os três campos de estudos das ciências humanas e a essência do marketing, que é satisfazer às necessidades das pessoas. Aonde se chega? A isto:
Philip Kotler é o maior autor de marketing de todos os tempos. Em participação no podcast do Marketing Book, aos 87 anos, ele concordou com os outros experts com a ideia de que, ao supervalorizar a tecnologia, muitos profissionais perdem o foco no ser humano.
“O que os consumidores estão perdendo em nosso mundo de alta tecnologia é o alto toque. Eles estão perdendo a satisfação de relacionamentos reais e sabendo que outras pessoas se importam. Se eu encarar um balconista indiferente à minha presença ou comer em um restaurante onde tudo é entregue mecanicamente — onde até os sorrisos são mecânicos —, eu não vou me sentir muito próximo dessa empresa. Os consumidores estão sentindo falta de emoção.
Antigamente, uma marca costumava se posicionar como uma solução perfeita para uma necessidade bem compreendida. Mas, ao afirmar isto, acabamos desapontando as pessoas porque vendemos uma fantasia. Nossa mensagem vira algo como: ‘este carro fará você ser tão atraente para o sexo oposto que você precisa comprá-lo’. O marketing tem feito promessas excessivas.
Acreditávamos que, se vendêssemos, não deveríamos nos preocupar com o que as pessoas pensariam depois — e isso é um erro. Em um mundo hiperconectado, você não pode ignorar que o consumidor é seu advogado mais importante. Há uma fome por verdadeira intimidade e experiência.
As marcas precisam ser mais humanas e autênticas. Elas deveriam parar de tentar ser perfeitas. Marcas centradas no ser humano devem tratar os clientes como amigos, tornando-se parte integrante de seu estilo de vida. Marcas devem ser mais parecidas com seres humanos: acessíveis, agradáveis, vulneráveis.”
Takeaways
As marcas estão excessivamente preocupadas com tecnologia, que no fundo é uma grande commodity. Você tem tecnologia de ponta? Que bom para você. Mas há duas más notícias: seu concorrente também tem e o seu cliente é muito bem informado. Mais do que isso, seu cliente é carente de calor humano, de atenção, de uma boa dose de verdade na relação. Então, quem vai ganhar a disputa pela preferência dele não é a empresa que tem mais tecnologia. É a empresa mais humana. Quem está dizendo isso são autores do quilate de Mark Schaefer e Philip Kotler.
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.