Você sabe o que são buyer personas? Se não sabe, primeiro veja o vídeo abaixo, que dura apenas 1’30”, e só depoiscontinue a leitura. Construir uma buyer persona pode ser uma atividade intuitiva. Extraí do meu livro (“Content Marketing – O conteúdo que gera resultados“) o trecho que conta a história um episódio ligado a essa técnica.

Imagem do usuário Webhamster no Flickr (licença Creative Commons)
Caso Homer Simpson
Tudo começou no dia 23 de novembro de 2005. Um grupo de nove professores universitários assistiu à reunião matinal de pauta do Jornal Nacional, da TV Globo, em sua sede no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Eles foram convidados por terem ministrado palestra num evento promovido pela emissora em parceria com a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). No mês seguinte, Laurindo Lalo Leal Filho, um dos professores presentes, publicou na revista Carta Capital suas impressões sobre aquele evento. Fez duras críticas ao critério de escolha das matérias adotado pelo Jornal Nacional.
Ele criticou também a percepção que o editor-chefe e apresentador do principal telejornal do País, William Bonner, parecia ter do público-alvo. Em linhas gerais, as pessoas que assistem ao Jornal Nacional têm dificuldade para entender notícias complexas e estão pouco familiarizadas com siglas, tais como BNDES ou INSS. Os jornalistas da emissora tinham chegado a essa conclusão com base em uma pesquisa quantitativa sobre o perfil do telespectador do telejornal.
Internamente, Bonner apelidou o telespectador de Homer Simpson. A alcunha pegou dentro de sua equipe e as pautas passaram a ser escolhidas com base nessa percepção. Notícias complexas, ainda que importantes, não fariam parte do espelho do Jornal Nacional porque o Homer Simpson não a compreenderia.
Defendendo sua visão acadêmica, mais conceitual do que prática, o professor Laurindo criticou Bonner por atribuir ao telespectador brasileiro as qualidades de Simpson, negativas na interpretação dele.
Neste momento, deixemos de lado o embate entre as visões de academia e mercado. A discussão é importante, sim, e parece nunca ter fim. Mas, para que você compreenda como construir personas, atenha-se ao aspecto técnico que exponho a seguir.
Para o Jornal Nacional, cujo público-alvo é massivo, o desafio é buscar audiência quantitativa. Isso envolve encontrar linguagem e linha editorial adequadas para se comunicar, sem déficit de informação. É composto por empresários, pedreiros, filósofos, empregadas domésticas, estudantes, aposentados, porteiros, engenheiros.
Como pensar nesse público tão complexo de forma simplificada? A saída encontrada por Bonner foi construir uma persona. Homer Simpson foi uma delas. A outra foi Lineu Silva, personagem de A Grande Família, conforme o próprio jornalista revelaria em sua resposta sobre o caso.
É muito mais fácil direcionar a mensagem ao Homer ou ao Lineu, que tão bem conhecemos, do que a 200 milhões de pessoas. Adotá-los como personas também simplifica a vida de quem precisa fazer sua equipe de trabalho entender quem é o público que consome aquele conteúdo editorial.
O ponto de discórdia entre o professor Laurindo e Bonner reside na divergência de interpretações sobre aquelas personas. O acadêmico vê o personagem dos Simpsons como alguém que “adora ficar no sofá comendo rosquinhas e bebendo cerveja. É preguiçoso e tem o raciocínio lento”. Em sua defesa, o jornalista disse:
“Em palestras que ministro a estudantes que nos visitam todas as semanas, sempre abordo, por exemplo, a necessidade de sermos rigorosamente claros no que escrevemos para o público. Brasileiros de todos os níveis sociais, dos mais diferentes graus de escolaridade. E o didatismo que buscamos para o público de menor escolaridade não deve aborrecer os que estudaram mais. Neste desafio, como exemplo do que seria o público médio nessa gama imensa, às vezes cito o personagem Lineu, de A Grande Família. Às vezes, Homer, de Os Simpsons. Nos dois casos, refiro-me a pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho. No fim do dia, cansados, querem se informar sobre os fatos mais relevantes do dia de maneira clara e objetiva. Este é o Homer de que falo.”
Se quisesse, Bonner poderia ter criado seus próprios personagens. Um sujeito chamado José, por exemplo, com as mesmas características dos personagens famosos, também teria funcionado para a finalidade proposta: entender rapidamente quem é o consumidor daquele conteúdo. É essa a técnica, de construir personas, que o método de content marketing adota.
Outra lição que o caso deixa é não expor suas personas para quem não fizer parte da produção de conteúdo. Pode haver o choque de entendimento e a consequente percepção negativa de preconceito.
O desafio que você terá em seu cotidiano é construir adequadamente as personas que compõem o seu público-alvo. Um estudo publicado em 2011 pelo Content Marketing Institute apontou que 79% das empresas B2B americanas publicam matérias ou artigos, 65% mantêm blogs corporativos e 58% apresentam estudos de case. Mais de 80% dizem ter apoio da direção da empresa e verba para produzir conteúdo variado e em quantidade suficiente. No entanto, 41% se queixam da dificuldade de produzir conteúdo adequado ao interesse do público.
Perceba, então, que, embora desfrutem das condições necessárias para produzir um bom material, quatro em cada dez não têm a sensação de que escrevem aquilo que seu público quer ler. Para não cair nesse grupo, cumpra etapas simples, que exigem um trabalho muito mais de observação do que de produção. É nisso que consiste o trabalho de criação de personas.∞

Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.