Quando era adolescente, eu chegava da escola e corria para assistir ao Globo Esporte. No intervalo, a TV Tribuna anunciava: “venha correr os 10 km da Tribuna FM”. Em meados dos anos 90, não havia em Santos quem não assistisse à afiliada da Globo. Por isso, a prova de corrida de rua logo ficou famosa na cidade. Mais famosa do que frequentada, aliás. A maioria das pessoas se perguntava se um dia ia querer praticar um esporte tão monótono, como a corrida. Eu, inclusive.
Mais de 20 anos se passaram e o improvável aconteceu. A corrida de rua cresceu, muita gente mudou de ideia e passou a queimar o asfalto. Eu, inclusive. Por uma dessas coincidências da vida, a tal prova santista ganhou o Brasil. Soaria como bairrismo de minha parte dizer que os 10 km da Tribuna se tornaram uma das mais cobiçadas provas do País se eu não tivesse ouvido isso da boca do Vanderlei Cordeiro de Lima (se não sabe quem é, dê uma olhada na Wikipédia).
No mês passado, meu pai, que continua morando na Baixada Santista, apareceu lá em casa com umas folhas na mão. “Filho, vi isto num restaurante em Santos e trouxe para você. Tem a ver com corrida e acho que tem a ver também com content marketing”. (Em tempo: meu pai é engenheiro e só sabe o que é content marketing porque leu meu livro como forma de garantir que a obra tivesse pelo menos um leitor).
O pessoal do restaurante self-service Gotissô teve a ideia de ajudar a tribo crescente de corredores. Imprimiu no suporte de papel que cobre a bandeja uma planilha de treinamento. Apresentou, ainda, as distâncias entre os pontos que servem como referência de distância na orla da praia, além de algumas dicas de saúde.
Quando se fala em content marketing, compartilhar conhecimento é o ponto-chave. Um restaurante não precisa necessariamente abordar culinária em seu conteúdo. Pode muito bem falar de prática esportiva, qualidade de vida e saúde, que têm total relação com alimentação.
O tipo de conteúdo é uma opção. Há quem informe, quem divirta, quem ensine e quem seja útil. O restaurante de Santos optou por ser útil. Quem teve a ideia nem precisaria saber que essa prática já tem nome nos Estados Unidos. Chama-se Youtility, que, numa tradução livre, costumo chamar de Marca Útil. Jay Baer, consultor do site Convince & Convert e autor de um livro batizado justamente de Youtility, costuma dizer o seguinte:
“Se você vende alguma coisa a alguém, você ganha um consumidor hoje. Mas se você ajuda alguém, você conquista muito mais do que uma venda. Seja um fazendeiro, e não um caçador.”
Se perguntarem quem criou content marketing, agora fica fácil responder. Foi o dono do Gotissô. Mas ele não foi o único, nem o primeiro. No começo do século passado, a fabricante de pneus Michelin criou um manual de manutenção de automóveis. Era voltado para donos de carros, que não eram tão abundantes naquela época.
Usei a ferramenta NGram, do Google, que mostra a incidência de um determinado termo em livros entre 1800 e 2008. Perceba que o termo content marketing só começou a ser citado no final da década de 60.
Eis a prova de que a Michelin praticava content marketing muito antes de o termo ter sido criado.
Qualquer pessoa pode acordar um belo dia com a seguinte ideia: “vou fazer conteúdo como forma de atrair a atenção de potenciais clientes”. Pode ser um executivo que vende pneus, um empresário que vende comida, um taxista, um médico, um pipoqueiro — ele terá inventado o nosso objeto de tanto estudo. Mais do que um método, content marketing é intuitivo. É tão natural quanto uma boa ideia.∞

Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.