Você já deve ter percebido que, ao publicar qualquer conteúdo na fan page de uma marca no Facebook, o alcance orgânico não é mais o de antigamente. Entenda por alcance orgânico a audiência conquistada espontaneamente, sem investimento financeiro. O que acontece é que, agora, para conseguir visibilidade minimamente razoável, é preciso pagar para impulsionar as publicações.
O Facebook passou vários anos convencendo empresas de que acumular curtidas e fãs eram o melhor caminho para um marketing online eficaz. Marcas e agências que acreditaram nele agora se sentem enganadas, como se tivessem caído numa cilada ― o que não deixa de ser verdade. O alcance orgânico despencou. Em fevereiro de 2012, 16 em cada 100 fãs visualizavam um conteúdo sem que o autor precisasse pagar nada ao Facebook. O índice veio caindo até que, em março de 2014, chegou a 6,5%.
Na semana passada, o Facebook usou seu blog para tentar justificar a queda. Em síntese, foram duas as explicações:
- O volume de conteúdo publicado pelos usuários cresceu muito. Hoje, se não houvesse filtro, um usuário seria bombardeado por 1.500 publicações cada vez que acessasse a sua conta.
- Nesse cenário, a plataforma social é obrigada a filtrar o conteúdo por meio de algoritmos, exibindo apenas cerca de 300 dessas 1.500 atualizações.
Brian Boland, líder do programa de anúncios do Facebook, é quem assina o post. Vamos transportar para o mundo físico a explicação dele.
Imagine que você todos os dias passa numa calçada em que sempre há três ou quatro moças entregando panfletos comerciais. É provável que elas consigam entregar a você os seus flyers — ou que, no mínimo, você perceba a presença de cada uma delas. O tempo passa e, quando você se dá conta, em vez de três ou quatro moças, há 500 panfleteiras agora na mesma calçada. É natural que poucas recebam a sua atenção. Aliás, bem que alguém poderia criar uma forma de posicionar melhor aquelas que tenham ofertas potencialmente mais interessantes para você. Seria ótimo, não?
Transfira agora esse cenário para o mundo online. Mais especificamente, para o Facebook. Os panfletos (anúncios, posts pagos) chegam aos montes. A diferença é que ali é possível criar uma fórmula que destaque algumas empresas mais do que as outras dependendo das preferências de cada usuário. É isso que fazem os complexos algoritmos do Facebook, permitindo que cada pessoa visualize as ofertas que tenham mais chance de ser interessantes para ela.
Aqui nasce o componente da discórdia. Se a sua marca não figurar naturalmente (ou organicamente) entre as mais interessantes, você pode furar a fila. Como? Pagando para o Facebook impulsionar a sua publicação. Boland afirma com todas as letras: a queda do alcance gratuito não é uma artimanha da empresa para faturar mais.
Reações
O problema é que muita gente não digeriu a explicação. A começar por um questionamento igualmente lógico: como acreditar que a queda do alcance não visa ao faturamento quando se trata de uma empresa de capital aberto, com toda a pressão por resultados financeiros que essa condição impõe?
Embora o Pando Daily seja um site pouco conhecido, um post assinado por James Robinson ganhou destaque no serviço de leitura via mobile Zite ao publicar uma foto do personagem Pinocchio ostentando um nariz espichado. O título resume a mensagem:
“O VP do Facebook insulta a nossa inteligência ao dizer que a limitação do alcance orgânico de marcas não tem a ver com fazer dinheiro”.
Se as manifestações tivessem se limitado a blogueiros insatisfeitos, o caso talvez não merecesse tanta atenção. Mas o especialista Jack Marshall fez coro às críticas. Em sua coluna no The Wall Street Journal, ele lembrou que a Eat 24 Hours, gigante do ramo de comidas entregues em domicílio nos Estados Unidos, eliminou sua fan page no dia 27 de março deste ano. A justificativa: o Facebook estava limitando deliberadamente a exposição de seus posts como forma de forçá-la a gastar cada vez mais em anúncios.
Em seu blog, a Eat 24 Hours expõe suas razões de forma criativa. Faz uma carta aberta que faz lembrar o término de uma relação amorosa. O texto começa assim:
“Caro Facebook,
Aqui é a Eat24. Olha, precisamos conversar. Não é fácil dizer isto depois de tanto tempo juntos, mas precisamos terminar a nossa relação. Nós adoraríamos dizer ‘não foi você, fomos nós’, mas não. O problema é totalmente você. Não queremos ser grosseiros, mas você não é a rede social esperta e divertida pela qual nos apaixonamos alguns anos atrás. Você mudou. Muito.
Quando nos conhecemos, você fez a gente se sentir especial. Nós contávamos uma piada sobre Sriracha e você a contava para todos os nossos amigos e todos nós ríamos juntos. Mas e agora? Agora você só quer que paguemos para conversar com os nossos amigos. Quando mostramos a você uma foto de um taco coberto com bacon, você vem com “PROMOVA ESTE POST! GANHE MAIS AMIGOS!” em vez de gostar de nós pelo que nós somos. Isso é confuso pra caramba.
Para sermos honestos, muitos amigos nos alertaram sobre você (não citando nomes, mas citando nome por nome: Forbes, Fast Company, Wall Street Journal). Mas nós os ignoramos e confiamos em você porque nós o amávamos. Agora estamos aqui, questionando nossa relação inteira.”

Decisão da Eat 24 Hours foi destaque no canal de tecnologia da CNN na web.
Vale a pena ler o restante do post, intitulado “Uma carta da Eat24 de rompimento com o Facebook” (em inglês). No dia 1º de maio, pouco mais de um mês depois de bater em retirada, a Eat 24 Hours voltou ao assunto em seu blog:
“Fechamos nossa página no Facebook e absolutamente nada aconteceu. O céu não desabou. O inferno não congelou. Terças-feiras continuam sendo exclusivas para Tacos. Tudo está exatamente do mesmo jeito de quando tínhamos a página. A única diferença é que não temos que nos preocupar com coisas como tamanho ideal da chamada, resolução da imagem ou proporção adequada entre gatos e cheeseburgers para maximizar a viralização”.
Não é de hoje
Você talvez esteja surpreso com questionamentos tão veementes à maior rede social do mundo, mas não deveria. Não faltaram sinais de que a corrida desesperada das marcas por curtidas e fãs beneficiaria uma só empresa: o próprio Facebook. Eis alguns sinais que publicamos diversas vezes aqui mesmo, na Tracto:
- Em junho de 2012, o fundador da Ironfire Capital disse à rede de televisão americana CNBC que o Facebook iria afundar até 2020.
- Em outubro do mesmo ano, o consultor e escritor Geoff Livingston criticou Mark Zuckerberg ao dizer que ele estava à frente de uma empresa sem visão.
- Um mês depois, o Recommend.ly já dizia que engajamento no Facebook não significa muita coisa para uma marca.
- Em abril de 2013, as organizações Globo limitaram sua atuação no Facebook. As razões não foram explicadas oficialmente, mas eram facilmente compreendidas. Sua insatisfação era muito similar à da Eat 24 Hours.
- Em setembro do ano passado, o Mashable explicou, a partir de um depoimento de uma adolescente, por que o conteúdo da rede social não se sustentava mais. E antecipou que irrelevância dos posts afugentaria muita gente.
- Em fevereiro deste ano, o Facebook comprou o WhatsApp por US$ 19 bilhões. Uma análise mais cuidadosa da aquisição sugere que Zuckerberg e sua diretoria saibam mais do que qualquer um de nós que a tendência avassaladora neste momento é o mobile. E que o modelo de rede social atual, um site gordo e pesado, todo baseado em web, talvez não caiba nessa nova forma de se usar a internet.
Conclusão
Acredite: o que está acontecendo com o Facebook é ótimo para os profissionais de comunicação e marketing do mundo todo ― Brasil, inclusive. Basta ter um olhar do todo. Um pensamento limitado, beirando a mediocridade, seria este:
E agora? Joguei fora o tempo, a energia e o dinheiro que investi no Facebook?
Não. Definitivamente, você não jogou nada fora. Basta pensar de forma mais ampla. O uso intenso do Facebook tem sido uma escola. Vem representando a oportunidade bem aproveitada de se migrar de um modelo em que veículos de comunicação falavam e público ouvia para um modelo de diálogo, interação, cooperação.
Esse conhecimento será fundamental para aproveitar bem as plataformas de comunicação que surgem a todo momento. O Facebook não deixará de ser usado pelas marcas de uma hora para a outra, e nem é isso que eu proponho aqui. Mas claramente o encantamento pela ferramenta começa a perder força.
O desafio para o profissional de comunicação é pensar como gestor, e não mais como mero produtor de textos, vídeos e fotos. A demanda agora é pela escolha de um conjunto assertivo de plataformas que levem a marca a alcançar os seus objetivos. O Facebook pode fazer parte desse conjunto ou não ― tudo depende das características do público que se quer atingir.
É uma questão de colocar fim à monocultura de uma rede social para, então, valorizar a estratégia de comunicação por múltiplos canais.

Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.