Vou contar uma breve história, daquelas histórias de uma pessoa que comprou uma viagem de uma companhia aérea, mas não viajou. No caso, eu. Mas o que isso tem a ver com construção de marca? Tem tudo a ver. Hoje, construção de marca se faz com base na experiência do cliente. Não é mais como era antigamente
Antes quero contar uma outra história. A Vasp operou de 1933 a 2005. No comercial abaixo, dos anos 80, ela conquistava o cliente pelo lado emocional.
Mesmo que um amigo relatasse uma experiência ruim, como uma aeromoça malcriada ou um atraso, você relevava. Aquele comercial repetido muitas vezes na TV ganhava o seu coração.
Só que a coisa mudou.
Foi o que aconteceu comigo em janeiro de 2020, quando não tínhamos ideia de que a pandemia faria o estrago que fez. Inocentemente, antes de o vírus se espalhar por aí, comprei uma passagem de Cleveland para San Francisco. Seria depois do Content Marketing World, do qual participo todo ano desde 2012.
Acontece que a passagem que eu comprei para mim e para a minha esposa era a mais barata — daquelas que não dão direito a nada, como marcação assento com muita antecedência, bagagem extra nem outras regalias. Reembolso, nem pensar.
Veio a pandemia e… bem… daqui a pouco eu conto o desfecho da história.
Construção de marca na era digital
Porque agora eu quero voltar ao conceito de construção de marca. No passado não existiam muitas marcas prestadoras de serviço. Pensa bem: era empresa de luz, de gás, de telefonia e mais uma ou outra. Hoje, são muitas. Tem VOD (Netflix, Disney Plus), tem internet, TV por assinatura, delivery de tudo que é tipo e muito mais.
O que acontece é que na era digital a construção de marca até passa pelo discurso, mas passa muito mais pela experiência do cliente.
Não que o discurso de publicidade tenha ficado para escanteio, mas ele mudou de papel. Ele ganhou um papel muito mais de atração. A construção da marca se dá muito mais no contato efetivo com a sua marca. E, mais do que isso, ele compartilha essa realidade com as outras pessoas.
Na realidade, esta opinião não é exatamente minha. Eu peguei emprestada do Michel Lent, CMO do Banco Modal e Top Voice do LinkedIn. É uma das figuras mais interessantes com quem tive o prazer de conversar nas quase 300 edições do Podcast-se. O papo na íntegra está aqui.
O que ele sente na pele ao pilotar o dia a dia de um banco digital jovem é que é muito complicado entregar boa qualidade de marca em prestação de serviço.
“Costumo dizer que se fosse fácil, estaria feito. Basta observar as companhias telecons, os bancos ou qualquer tipo de prestação de serviço que migraram para plataformas digitais. Todas contam com muitos softwares de automação e com uma jornada digital. Ainda assim, têm estruturas complicadas principalmente pela quantidade de transações e de usuários. Quando há centenas de milhares de usuários por dia, ainda que a taxa de problemas seja muito baixa, o número de pessoas que passaram por algum problema no final do dia é expressivo.”
Michel Lent, CMO do Banco Modal
Onde colocar o recurso?
Faça agora o seguinte exercício de marketing: se você fosse o CMO de um banco, onde você colocaria o grosso do seu orçamento?
Para o exercício, considere algumas premissas:
- O mercado onde está esse banco tende a crescer rapidamente. No início de outubro de 2020, a B3 (que é a Bolsa de Valores brasileira) anunciou uma marca importante segundo a Infomoney: o Brasil chegou a 3 milhões de investidores pessoas físicas. É uma marca expressiva? Sim, é, porque vem num crescimento exponencial desde 2017, quando estava em meio milhão, após dez anos quase sem crescer.
- Acontece que a população brasileira é de 209 milhões de habitantes. Ou seja, por enquanto, só 1,5% da população investe na Bolsa.
- Segundo o Gallup, 55% dos americanos têm pelo menos uma ação.
- Supondo que, proporcionalmente, o Brasil chegue a metade dos investidores que existem nos EUA — algo como 27% —, o mercado ainda vai crescer 18 vezes. E isso é factível. As pessoas estão de fato comprando ações.
E, então, onde você colocaria o grosso das suas fichas de marketing nesse momento. É mais em brand equity? É mais em desenvolvimento de produto? É mais em aquisição de cliente?
Pensou na sua resposta para efeito do exercício proposto?
Pois bem, a resposta do Michel Lent na vida real é a seguinte:
“É simples: a gente tem de investir na experiência. Eu preciso ter uma plataforma que seja confiável, um app fácil de usar, um atendimento que preveja o meu problema quando o cliente entra em contato com a central de atendimento via WhatsApp ou chatbot. Ou, melhor ainda, que o sistema informe de forma proativa que eu o cliente vai ter um problema antes de ele acontecer e já trazer a solução”.
Michel Lent, CMO do Banco Modal
Isso é construção de marca quando se tem a experiência do cliente no centro de tudo.
Bons exemplos
O conceito está claro: a marca garante a melhor experiência para o cliente. Em produto, há um exemplo que qualquer estudante vai saber citar: Apple. O produto se vende meio que sozinho. Mas e em serviço no mundo digital, quais seriam bons exemplos?
“Se você pegar players expoentes nos seus mercados, você vai encontrar soluções com interfaces muito bem resolvidas. O Nubank é um benchmark para o nosso mercado de bancos do ponto de vista de experiência. Eles conseguiram fazer uma plataforma muito simples de usar. É bem verdade que eles têm um rol de serviços menor que a média dos outros bancos, mas isso foi uma opção de entrada no mercado para construir uma experiência positiva. E o outro player é a Netflix, que oferece uma experiência que fica perto da perfeição. Dificilmente, um vídeo trava, a interface sugere coisas e funciona independentemente de onde você está usando. Pode ser celular, tablet, smarTV, computador. Eu diria que a grande aposta do ponto de vista da construção de marca é a qualidade da experiência, que é muito difícil de alcançar, mas é o que vai fazer a grande diferença.”
Michel Lent, CMO do Banco Modal
Aqui eu concluo a história da minha passagem aérea. Eu já havia dado como perdida aquela passagem.
Felizmente, os créditos dos trechos de ida e volta do Brasil para os Estados Unidos, quer eram os mais caros, eu não havia perdido. Mas com a perda daquele de Cleveland para San Francisco, eu já estava conformado. Afinal, comprei o trecho mais barato.
Cerca de um mês antes do voo, toca o meu telefone. Do outro lado, uma educada colaboradora da American Airlines me pergunta se eu realmente faria aquele voo. Expliquei toda a situação. Ela resumidamente explicou que eles estavam ligando para os casos que o sistema deles indicava se tratar de pessoas que provavelmente não embarcariam. Ou seja, pessoas que tinham grande chance de não morar nos Estados Unidos e, com a fronteira fechada no país, nem sequer estar em território americano naquele momento.
Resultado: eles fizeram o reembolso integral das duas passagens e eu terminei o telefonema com juras de amor à marca.
É disso que o Michel Lent está falando. Não há comercial com modelo, cachorro, jingles ou praias que superem a minha relação pelo menos neste momento com a companhia aérea que usou robôs para dizer: “pega aí os seus 200 dólares de volta, mesmo que você não tenha direito a eles. É que nós apenas sabemos que não foi culpa sua”.
Lá, no início, eu mencionei que as pessoas compartilham a boa experiência que tiveram com marcas, certo? Pois bem, acabei de fazer isto.
Takeaways
Antigamente, construía-se marca martelando uma mensagem na mídia de massa. Hoje, é entregando experiência. Por isso, Invista na experiência do cliente. Isso é uma das premissas do marketing de produto na era digital. Empresas que hoje constroem marca alcançam de alguma forma a excelência na experiência. Cada uma à sua maneira, cada uma com o seu propósito, mas todas alcançam a excelência.
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Este post serviu como roteiro da edição #206 do podcast Takeaways, disponível no Spotify, na Apple Podcasts, no Google Podcasts e em outros agregadores.