Meu amigo André Rosa e eu devorávamos uma pizza num dia desses quando caímos no assunto storytelling. O termo americano virou moda no mundo digital.
Muitos especialistas em redes sociais — se é que essa função é possível — se referem à arte de contar histórias como uma rica invenção da geração web. É como se antes da Internet nunca tivessem existido escritores, publicitários, documentaristas, jornalistas, roteiristas, piadistas, repentistas etc. Isso para não falar da Bíblia, o mais duradouro case de storytelling que me ocorre neste momento.
A rigor, não há nada de errado em classificar de storytelling uma breve narrativa de 140 caracteres. Afinal, o termo diz respeito a contar histórias, não importando formato ou tamanho. O que preocupa é o empobrecimento do conceito de storytelling.
Esse nome existe há mais de seis décadas. Em 1949, a Jornada do Herói foi identificada e estruturada por Joseph Campbell no livro The Hero with a Thousand Faces. O que o escritor americano chamou de “monomito” pode ser resumido em um roteiro de 12 etapas para contar a saga do herói.
- O mundo ordinário
- O chamado para a aventura
- A recusa ao chamado
- O mentor
- Cruzando a fronteira do desconhecido
- Testes, desafios, amigos e inimigos
- Aproximação do âmago do desconhecido
- A provação
- A recompensa
- O retorno
- Ressureição
- Retorno com o elixir
Na pizzaria, André e eu não conseguimos listar de cabeça todas as 12 etapas, mas nos lembramos das mais importantes, e na ordem correta.
— Mas será que existe uma forma de isso ser útil para empresas? — contrapôs o André entre uma garfada e outra.
Acho que existe, sim. Livros e artigos americanos sobre content marketing falam de uma versão condensada da Jornada do Herói. A marca da empresa ocupa o papel principal. O final pode ser real, mas é mais interessante que seja a projeção do que se pretende alcançar. Fictício, portanto. Nessa adaptação, a jornada passa a ter 10 etapas.
- O mercado atual
- O desafio
- A recusa
- Os protagonistas (diz respeito às pessoas dentro da empresa)
- Cruzando a fronteira do desconhecido
- Mapeando os desafios
- O desafio final
- Olhando para trás (comparação do antes e do depois de começar a saga)
- A renovação
- A comemoração
Construir a jornada da marca é, em tese, uma forma de fazer com que os colaboradores conheçam melhor a história da empresa e aonde ela pretende chegar. Com base nisso, pequenas histórias poderão ser pinçadas e contadas em formatos e canais variados. Pode ser a fotografia de um momento num filme publicitário, um aspecto do caráter da marca-herói traduzida por um personagem ou mesmo os elementos principais dessa história na timeline do Facebook.
André, que há quase uma década narra passagens cotidianas em seu blog Marmota, Mais dos Mesmos, naturalmente gostou. Ele representa uma fatia de uns 99% da população que prefere ouvir uma boa história a decorar as batidas — e quase sempre lunáticas — frases que definem missão, visão e valores de uma empresa.∞
Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.