
Abordagem é feita no saguão de embarque de Viracopos. No andar de cima, editora concorrente faz exatamente a mesma coisa.
Eu estava na faculdade nos anos 90 quando uma estudante me parou na porta da Faculdade Cásper Líbero. Era bonita, devia ter os mesmos 19 anos que eu e me ofereceu um brinde. Era a edição anterior de uma revista qualquer. Eu, solteiro, me achando muito esperto, dei conversa. Resultado: poucos minutos depois, a garota tinha me vendido uma assinatura de revista pela qual eu não tinha o menor interesse. E o telefone dela, meu alvo inicial, eu nunca consegui. O garanhão não passava de um pangaré iludido.
Quase vinte anos se passaram e eu estava no aeroporto prestes a embarcar para algum canto do País. Minha busca por uma tomada para carregar o celular foi interrompida por uma voz jovem.
― Aceita um brinde grátis, senhor?
Me diverti com a redundância e decidi morder a isca do vendedor, um rapaz que aparentava ter seus 19 anos. Não preciso dizer que o brinde era uma revista qualquer. Me fiz de interessado para relembrar aquela abordagem comercial em que o e vendedor entrega o brinde, abre um cardápio com imagens das capas das revistas da editora e pede a você que aponte uma que lhe agrada. Você escolhe e, então, ele apresenta os planos de assinatura. Não leva mais do que três minutos para pedir nome, endereço de entrega e, claro, número do cartão de crédito.
(Em tempo: antes que você pergunte, não, eu não tentei pegar o telefone do vendedor de revista. Se fosse uma vendedora vistosa, também não tentaria. Não apenas porque me casei nesse meio tempo, mas especialmente porque o pangaré continua sendo o pangaré de sempre, só que agora sabe disso. Em compensação, ficou mais esperto e não fez a assinatura.)
Voltando à técnica de venda: está longe de ser a única abordagem no estilo de pegadinha.
Nos últimos três meses, fiz testes similares com cinco empresas de serviços online destinados a profissionais de content marketing — duas brasileiras, duas americanas e uma canadense. Quis entender como funciona o processo de vendas. Assinei newsletters, baixei e-books ou participei de webinars delas. Bastaram algumas interações para que seus vendedores me contatassem.
O irônico é que as cinco empresas publicam toneladas de conteúdo ensinando o que é inbound ou content marketing e como praticá-lo. Essas duas modalidades pregam mais ou menos o mesmo roteiro: a marca publica conteúdo relevante, se posiciona como expert em sua área, conquista audiência e parte dessa audiência se converte em cliente porque terá estabelecido uma relação de confiança com ela.
Por isso mesmo, há uma ressalva: o método traz resultados reais ― como clientes, força da marca, posicionamento etc ―, mas o processo é lento. Os benefícios começam a ser percebidos depois de pelo menos quatro meses. Na maioria dos casos, leva de seis meses a um ano. A partir daí, o fluxo é contínuo porque é consistente e porque se baseia numa estratégia de conteúdo fomentada por técnicas. Por exemplo, a construção de buyer personas é feita a partir de entrevistas que permitem que se descubra que tipo de conteúdo fará mais diferença para aquelas pessoas; o desenvolvimento do storytelling da marca dá alma ao conteúdo; a aplicação do conceito de Youtility torna o conteúdo útil. E por aí vai.
Essas técnicas de content marketing visam a fazer do conteúdo o combustível da relação com o cliente, e não a isca para capturá-lo. E-book, newsletter, webinar e outras táticas são formas de transmissão de conteúdo relevante capaz de posicionar a marca como expert em sua área. Usá-los como isca para formar mailing e, em seguida, soltar os leões de vendas em cima dos desavisados que clicaram em alguma landing page pode até funcionar no curto prazo, mas tende a ficar só nisso. Uma pequena parcela daquele público comprará, é verdade, mas a maioria rapidamente perceberá que caiu numa cilada e a relação com a marca acaba por ali mesmo.
Confiança ainda é a base de toda relação. Não adianta mudar só o discurso e continuar empurrando o serviço pela goela do cliente. Em content marketing, conteúdo é o pilar do relacionamento da marca com o público, e não o “brinde grátis” do aeroporto.
Na prática
Em 2008, quando eu era diretor do Comunique-se (um portal voltado para jornalistas), uma empresa chamada Netpoint, de São Paulo, me procurou para oferecer seus serviços de e-learning. Ela é especializada em streaming e havia acabado de lançar sua plataforma de EAD (ensino a distância). Garimpou o mercado atrás de empresas que oferecessem cursos online e assim chegou a mim. Fiquei interessado em ouvir sua proposta, pois precisava mesmo dar um upgrade na nossa plataforma de ensino online.
Quando nos sentamos à mesa, descobrimos que o modelo da Netpoint era voltado para cursos de autoaprendizagem e o que nós oferecíamos eram aulas ao vivo. Foram diversas reuniões tentando buscar uma adequação, mas nenhuma serviu. Por fim, o fundador da empresa veio ao nosso escritório. Ouviu atentamente a minha necessidade e, com cara de pesar, sentenciou:
― Lamento, mas não conseguiremos atender vocês. Que pena!
Não foi uma pena, pois nasceu ali uma relação duradoura. Outras áreas viviam tendo problemas com fornecedores de streaming, que é o core business da Netpoint, e a indicação aos meus pares foi natural. Nos anos posteriores, indiquei a Netpoint também para duas empresas de grande porte, que se tornaram suas clientes. Quando migrei para a Tracto, a parceria veio comigo. Confiança é o nome do jogo.
Acontece que raramente você terá a oportunidade de ir até o cliente para ajudá-lo. Então, ajude-o por meio do conteúdo, que é capaz de transmitir não apenas conhecimento, mas muitos traços da sua personalidade.∞

Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.