Nos primórdios da Web amigável, exatamente entre 2003 e 2005, o jornalista e desenvolvedor Pedro Valente mantinha um site que funcionava como uma crítica a frases feitas e clichês fáceis. Era o Homem Chavão, cujo conteúdo acabou transformado em livro. Talvez o personagem esteja no mesmo lugar da maior parte das coisas fugazes que passam pelas timelines diariamente, mas sua lição jamais deveria ser esquecida: boas ideias, traduzidas em palavras ou expressões, se fortalecem a partir de fundamentos – e não pelo fato de serem reproduzidas sem critério.
Sim, isso se aplica a “content marketing” content”, “inbound marketing”, enfim. Mas meu voto para a buzzword de 2016, por enquanto, vai para a expressão growth hacking. Se você ainda não ouviu falar nisso, certamente você está seguindo as pessoas certas em seus sites de relacionamento. De uma forma simplista, podemos traduzi-la como uma ocupação em organizações, aos moldes de “community manager”, “disruptive innovator”, entre outros rótulos bacanas e descolados. O “growth hacker” seria o profissional capaz de “criar atalhos” de crescimento por meio de ferramentas capazes de auxiliá-lo a tomar decisões, em especial aquelas baseadas em coleta e análise de dados.
E o que mais? Ao que parece, começou como uma ideia inofensiva pinçada dos empreendedores em rodas de conversa sobre startups, mas espalhou-se pelo mundo do marketing. Como qualquer buzzword, tem como característica proeminente parecer uma novidade inspiradora representada de forma simples, mas demonstrando algo bem maior ou mais importante do que ela realmente é.
Nascimento e morte de uma buzzword
A trajetória da expressão growth hacking nos permite encontrar um padrão, comum a outras proposições, capaz de definir um ciclo de vida para buzzwords. Resumidamente, as melhores são aquelas que conseguem beliscar parte da verba destinada ao planejamento estratégico de uma organização no instante em que sua importância ficar reconhecidamente popular. Vamos a ele.
1. Problematizar e simplificar
Antes de inventar uma buzzword, é preciso identificar um obstáculo, uma questão insolúvel. Não é difícil, especialmente no contexto envolvendo atividades de comunicação, onde o principal desafio em momentos de crise é justificar sua importância. As soluções para preencher esta lacuna se baseiam em discursos assertivos, abordagens pautadas em etapas controladas, recomendações seguras, entre outros valores ligados a um caminho de sucesso – uma fórmula que você precisa adotar. Esta sequência precisa ser sintetizada o suficiente para caber em uma sentença – preferencialmente uma metáfora ou esquemas, como curvas ou pirâmides.
Sean Ellis foi o profissional de marketing que reconheceu a dificuldade enfrentada por startups em ganhar escala sem sobressaltos. Demandava alguém com habilidades em reconhecer e liderar o crescimento de empresas de forma sustentável e altamente eficaz – não importa que o conceito pareça superficial, o fato é que ele se apresenta, de fato, como uma prática importante. Deu a este posto o nome “growth hacker”. Isso foi em julho de 2010.
2. Compartilhar e fortalecer
Não basta inventar uma boa ideia, é preciso dialogar sobre ela de maneira consistente. Para isso, influenciadores podem ajudar a ampliar as fronteiras e aplicações da ideia, readaptá-la para contextos diferentes e associá-la a exemplos de mercado suficientes para convencer usuários de que vale a pena conhecer a prática e levá-la para a sua empresa. Espontaneamente, outros públicos vão ajudar a espalhar a boa nova adiante.
Andrew Chen é um conhecido evangelista entre empreendedores. Neste artigo de 2012, ele salienta a integração do conceito à cultura do Vale do Silício, identifica sua familiaridade com códigos de programação, apresenta um case do Airbnb e enaltece a ascensão do “nova categoria de VP de Marketing”.
Outros sites e blogs ligados a marketing estimularam a conversa, aumentando o poder de persuasão da ideia. Ao pontuar em tópicos as vantagens de assumir a postura de um “growth hacker”, John Bardos sentencia: o problema é comum a várias empresas, por isso ela precisa de um. Como diria aquele locutor mineiro, “é caixa”.
3. Institucionalizar e comercializar
Nessa etapa, o indicador de sucesso da buzzword fica evidente: na mesma medida em que novas empresas emergem e oferecem produtos e serviços baseados na ideia, a mensagem associada à sua necessidade circula com força em veículos especializados no mundo dos negócios ou escolas que discutem estes mesmos modelos. É o momento de capitalizar por meio de palestras, publicações, cursos, entre outras alternativas. Companhias reagem, criam novos cargos, atribuem funções a posições existentes, convidam cultuados e performáticos especialistas.
O que fez Sean Ellis algum tempo depois de criar a expressão “growth hacking” e vê-la se espalhar? Fundou a GrowthHackers.com, posicionando-se como especialista/autoridade no tema e reunindo outros profissionais em uma comunidade de interessados. Conrad Wadowski criou uma agência, a GrowHack, oferecendo consultoria para empresas interessadas em resolver seus problemas de crescimento – além de criar sua própria startup, Teachable. Por fim, Ryan Holiday, descrito como “o aclamado guru do marketing responsável pela marca American Apparel” é autor do livro Growth Hacker Marketing: A Primer on the Future of PR, Marketing, and Advertising.
4. Reinventar ou abandonar
Se a buzzword chegou viva até aqui, significa que ela ainda não foi atropelada por nenhuma outra “inovação disruptiva” capaz de torná-la obsoleta. Mas em busca da sobrevivência, ela mesma definha ao atingir um nível elevado de exploração e propagação. Entram em cena os “paraquedistas” e os “papagaios”. Chega a um ponto onde suas apropriações e direções são muitas – ou seja, sem qualquer significado ou visão crítica. Ou ainda (com alguma sorte) pode ter sido duramente questionada a partir de fundamentos mais sólidos – como se vê, por exemplo, em qualquer área do conhecimento que se posiciona como ciência. Nesse caso, a alternativa é recontextualizá-la, mesmo que isso represente uma nova buzzword.
Já em 2013, o site Mashable já questionava o conceito ao dizer que “growth hacker é uma buzzword cercada de buzzwords”. Artigos como este, de Shubam Sharma, perguntam: diante do fato de todo mundo fazer a mesma coisa, estaria morto o “growth hacking”?
Não importa: a força da onda ainda consegue se espalhar no fim da festa, como em “absolutamente tudo o que você precisa saber sobre growth hacking” ou “o guia definitivo do growth hacking”. Em compensação, o consultor Paul O´Brien percebe que seu trabalho não cabe mais no mesmo conceito, já que presta consultoria para empresas de diversos segmentos. Define-se, portanto, como “growth architect”.
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Uma busca por “marketing de conteúdo” no Google revela o estágio de propagação da tradução tupiniquim: são mais de 36 mil resultados, incluindo um que pretende explicar “como surfar nesta onda”. É um incômodo semelhante ao do historiador Cassius Goncalves, que procurou “visitar os clássicos para minimizar dúvidas diante de múltiplas variáveis” e fugir da incoerência. Em sua visão, o método envolvendo produção de conteúdo alinhado a estratégia de um produto a fim de conseguir clientes fiéis a marca poderia ser traduzido como “conteúdo para o marketing”.
Faz todo sentido, bem como sua conclusão: “se os poucos profissionais brasileiros sérios que trabalham na área encararem esta questão conceitual, pode ser uma forma de separar os bons dos falastrões e colocar as coisas no lugar, garantindo o desenvolvimento da metodologia e do mercado de forma consistente”. Em outras palavras: fuja da armadilha fácil da buzzword e trate de explicar o que faz de forma consistente.∞
Sobre o autor: André Rosa é jornalista, mestre, doutor, pesquisador e professor em cursos livres, de graduação e pós-graduação, sempre procurando promover o encontro entre a comunicação e a tecnologia. Seu blog tem mais de uma década anos de vida.