A relação entre blogueiros e marcas é pautada pelos jabás. Quando soube disso, fiquei espantado. Depois procurei entender a lógica da conduta dos blogueiros, que descrevo a seguir.
Funciona assim: para redigir um post positivo sobre produto, campanha ou marca, o autor do blog recebe uma contrapartida, que pode ser uma quantia em dinheiro, uma viagem ou um bem material que lhe agrade. FIquei perplexo ao constatar essa prática porque sou jornalista de formação. Regra básica no Jornalismo é jamais aceitar esses mimos. Nas redações, jabazeiro é visto como picareta.
Entre os blogueiros, a cultura é outra. Eles próprios defendem abertamente o direito de submeter o conteúdo a interesses comerciais. Argumentam que, sendo o blog uma mídia pessoal, o autor faz o que bem entender. Uma linha complementar de defesa é essa: blog não é informativo. Diferentemente de veículos de imprensa, não tem o compromisso de informar de maneira neutra. Abre mão, portanto, da imparcialidade, que no Jornalismo é a base de tudo. Em tese, ao receber o presente, o jornalista trai esse princípio. O blogueiro não.
O honesto e o picareta
A prática do jabá é tão comum entre blogueiros que foi um dos temas do evento Social Media Brasil, na semana passada, em São Paulo. A palestra conduzida por Liliane Ferrari levou esse título: “Estratégia de relacionamento com blogs, além de convites e brindes”.
Liliane apresentou aquilo que me parece ser um código de ética informal da blogosfera, segundo o qual a transparência separa os honestos dos picaretas. O blogueiro honesto é aquele que deixa claro que há patrocínio naquele post, foto, tuíte, vídeo ou outro tipo de conteúdo de sua autoria. “Quando se tem essa postura, o leitor entende que um elogio não-patrocinado é opinião do blogueiro mesmo”, complementou a palestrante em sua apresentação. Em outras palavras, transparência gera confiança. Faz sentido.
O picareta, por sua vez, tenta ludibriar o leitor. Escreve em posts aparentemente neutros informações patrocinadas. É habilidoso. Disfarça bem e o leitor acredita.
Os problemas não se limitam a separar os blogueiros que seguem esse código informal de conduta dos que o violam. No fim de semana, houve um debate no grupo no Facebook “Entusiastas do Social Media”, com 39 comentários até a publicação deste post. Boa parte da discussão girou em torno de práticas capazes de tornar saudável a relação entre blogueiros e agências de publicidade. Pelos relatos, percebe-se que falta profissionalismo dos dois lados. É blogueiro que não honra o combinado, é agência que atrasa o pagamento. A relação ainda precisa amadurecer.
Existe jabá. E daí?
Quando o tiro sai pela culatra e uma crise estoura, a repercussão negativa recai sobre a marca. Liliane citou o “caso Melissa”. Não se trata de uma blogueira com esse nome, e sim da consagrada marca de sandálias.
Vou resumir o caso: ao lançar sua loja em Nova York em fevereiro deste ano, a empresa convidou algumas blogueiras de pouca expressão. Autoras de blogs mais renomados ficaram de fora da pomposa viagem. Uma das preteridas descobriu que uma das convidadas havia um dia escrito que jamais usaria aquele tipo de sandália. A empresa respondeu de forma desastrada às reclamações e a crise se estabeleceu. Melissa foi obrigada a se posicionar oficialmente. Para quem quiser saber mais sobre o caso, a sugestão é buscar no Google pelas palavras “melissa blogueiras”.
Em eventos e fóruns, são frequentes as abordagens sobre a falta de credibilidade dos blogs. “Por que muitas empresas não levam os blogs a sério?”. Essa foi uma pergunta-lamentação feita por um espectador da palestra. Vou responder no lugar de Liliane: talvez a explicação esteja na falta de preocupação com o público, que, em última análise, é quem paga toda essa conta.
Ainda falta entender se o jabá é aceito na blogosfera por não representar uma afronta aos leitores ou se, em vez disso, é praticado por ser uma interessante fonte de receita. Se a segunda opção for verdadeira, a pergunta futuramente talvez vá girar em torno do fim das verbas para essa finalidade.∞

Sobre o autor: Cassio Politi é fundador da Tracto. Implantou programas de content marketing em empresas do Brasil e em multionacionais. Autor do primeiro livro em língua portuguesa sobre content marketing, publicado em 2013, é o único sul-americano a compor o seleto júri do Content Marketing Awards. Desde 2016, é palestrante em eventos no Brasil e no Exterior, normalmente apresentando cases bem-sucedidos de seus clientes.