Qualquer indivíduo ou organização que pretende construir seu perfil online usando redes sociais tem a oportunidade de criar e estreitar laços com seus públicos – ou ao menos esta deveria ser uma boa razão. Mesmo para quem já identificou isso, nem todos estão predispostos a conversar. Traduzindo: a maioria se interessa em “falar”; nem todas querem “ouvir”. O desafio, que já se revela enorme em empresas, ganha dimensões ainda maiores quando se trata da relação entre sociedade e agentes públicos.
Faça uma busca usando palavras-chave como “deliberação” e “esfera pública”. Vão surgir textos assinados por gente interessada em usar a Internet como um verdadeiro espaço para o debate, fortalecendo conceitos de cidadania e democracia. Sem pensar muito, responda: diante de uma rede pautada, essencialmente, por “canais de divulgação” (sejam eles públicos ou privados) ou mesmo um “combustível para o ódio a quem pensa diferente”, será mesmo possível encontrar um jeito inteligente de desenvolver esta conversa?
Acreditar na força da Internet e fugir da desconfiança construída pelo senso comum é o desafio da Plataforma Brasil, iniciativa lançada pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. A intenção é construir uma ferramenta online de participação popular aberta, ou seja, reunir cidadãos para gerar conteúdo inteligente e colaborativo. Especificamente, a elaboração de políticas públicas.
“A Internet tem um potencial muito grande, em que pese o processo de participação negativo nas eleições de 2014, onde vimos grupos polarizados fazendo críticas a determinado tipo de partido ou candidato”, observa Ricardo Kadouaki, coordenador do projeto. Ele acredita que a rede pode ser poderosa, ou mesmo inspiradora. “O que a gente ainda não consegue ver de forma clara, mas que a gente acredita muito, é como a Internet também permite ajudar a deliberação, fazendo com que pessoas consigam construir agendas, propostas ou soluções na Internet”.
Marco Civil
A crença funciona como combustível, mas o motor se sustenta em um caso prático. O exemplo inspirador da Plataforma é o Marco Civil da Internet, aprovado em abril de 2014. Seu desenvolvimento começou cinco anos antes, em um debate aberto num blog, conduzido entre outros pelo professor e advogado Ronaldo Lemos, um dos fundadores do ITS-Rio. Trata-se de uma legislação construída colaborativamente pela sociedade.
É este exemplo, mas de forma mais ampla, que pretende nortear o primeiro teste da plataforma: reforma política e o uso da tecnologia para aperfeiçoar a participação da sociedade no processo. No primeiro ciclo, os temas mais relevantes serão priorizados; nas etapas seguintes, serão propostas soluções até a compilação de propostas, que serão encaminhadas aos agentes públicos.
Leia mais sobre a Plataforma Brasil no blog do projeto
Diante desta postura, a mensagem mais importante para quem permanece na rede é estar predisposto a ouvir. “Os agentes públicos precisam compreender este fenômeno: não é mais possível controlar ferramentas de comunicação. As pessoas estão se mobilizando e construindo coisas em conjunto. Cabe aos agentes públicos aceitarem e quererem participar disso. Ignorar não é mais uma opção”, observa Kadouaki.
Amadurecimento
“Vimos nas manifestações que ocorreram neste ano e em 2013, além de outros exemplos fora do país, pessoas que conseguem se engajar contra algum comportamento”, lembra, destacando ainda a relação entre tecnologia e seu impacto no comportamento social. “Os jovens tem um grande anseio em tranformar, mas ao mesmo tempo identificamos um descrédito em relação às instituições tradicionais. Nem todos confiam no Governo, partidos ou instituições públicas. A democracia está vivendo um momento importante em relação a essa necessidade de se adaptar a esse novo comportamento social”.
Ainda que o projeto seja entendido como um verdadeiro “piloto”, onde a busca pelo debate capaz de produzir ações reais não esteja clara, o processo de aprendizado envolve uma palavra-chave, segundo Kadouaki: amadurecimento. Tanto dos agentes públicos quanto a sociedade civil ou mesmo o cidadão comum. A sociedade precisa se educar melhor politicamente, entender melhor como funciona o processo de decisão e elaboração de políticas públicas, como as instituições funcionam”, finaliza.∞

Sobre o autor: André Rosa é jornalista, mestre, doutor, pesquisador e professor em cursos livres, de graduação e pós-graduação, sempre procurando promover o encontro entre a comunicação e a tecnologia. Seu blog tem mais de uma década anos de vida.