Storytelling é um recurso que, quando bem usado, enriquece o programa de content marketing de uma empresa. Mas daí a afirmar que é obrigatório não faz muito sentido. Até porque nem sempre o plano de conteúdo comporta o storytelling.
Para entender mais profundamente essa questão, o primeiro passo é entender o que é, afinal, storytelling. Como a tradução do termo já antecipa, trata-se do ato de contar histórias — e isso, por si só, é muito amplo. O National Storytelling Network (NSN), dos Estados Unidos, o define da seguinte maneira:
“Storytelling é uma forma de arte muito antiga e uma valiosa forma de expressão humana usada de diversas maneiras.”
Narrativas são uma forma natural de expressão da mente humana. Quando somos crianças, brincamos em formato de narrativa sem que ninguém tenha nos ensinado a fazer isso. Quando vamos dormir, sonhamos em narrativa sem nunca termos treinado nossa mente para essa finalidade. E assim por diante
Nosso interesse natural por histórias acontece por razões que a ciência é capaz de explicar. Num artigo publicado em 2014 pela respeitadíssima revista Harvard Business Review, o economista e psicólogo Paul J. Zak, diretor e fundador do Centro de Estudos Neuroeconômicos da Universidade de Claremont, nos Estados Unidos, explica por que nós, humanos, gostamos tanto de ouvir histórias.
Em meados dos anos 2000, Zak e sua equipe descobriram que nosso cérebro produz um hormônio chamado oxitocina sempre que nos aproximamos de outras pessoas, sentindo confiança e segurança ao lado delas. No aspecto comportamental, isso estimula o senso de empatia, que é a nossa capacidade de entender e vivenciar as emoções que as outras pessoas estão sentindo. A empatia é uma habilidade instintiva nossa. Nos permite antever como as pessoas — incluindo nós mesmos — tendem a reagir em diversas situações.
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.
A empatia, como elemento natural do nosso cérebro, é a base do nosso interesse em ouvir histórias. Isso ficou provado em estudos posteriores, quando Zak e seu time fizeram uma experiência com pessoas. Eles primeiro coletaram amostras de sangue de um grupo de indivíduos. Em seguida, elas assistiam a vídeos que contavam histórias.
Ao final dos vídeos, coletaram novamente sangue. Resultado: as pessoas tiveram mais presença de oxitocina no sangue. Dependendo do nível de hormônio liberado, elas ficaram mais disposta a praticar uma ação — como doar dinheiro a uma causa, por exemplo.
O estudo de Zak mostrou, ainda, que o nível de atenção das pessoas — e de consequente liberação de oxitocina — está diretamente ligado ao nível de tensão que a história é capaz de provocar.
Produtores de filmes, séries e telenovelas têm explorado esse aspecto humano com perspicácia desde sempre. Muitas das campeãs de bilheterias são as histórias que causam níveis extremos de tensão. O cinema historicamente soube fazer isso e agora tem a companhia de outro formato campeão de audiência: o Netflix.
Em setembro de 2014, a primeira temporada da série House of Cards tinha terminado havia pouco. Foi um dos sucessos mais explosivos do Netflix. Kevin Spacey, o ator principal da trama, foi o keynote do Content Marketing World daquele ano. Estrela da série, ele deu uma breve aula sobre storytelling.
“O primeiro importante elemento do bom storytelling é o conflito, que cria tensão. E é a tensão que mantém as pessoas engajadas com a história. O segundo elemento é a autenticidade. Se você se mantiver verdadeiro à sua marca e à sua voz, o público vai responder com entusiasmo e paixão. Isso nos leva ao terceiro e possivelmente mais importante elemento de qualquer história: o público. O formato e o dispositivo são irrelevantes para a história. O público vem declarando que quer ouvir histórias. As pessoas estão loucas por elas. E só o que você precisa fazer é dar a história a elas.”
Poucos anos depois dessa palestra, a reputação de Kevin Spacey foi fortemente abalada por acusações de assédio sexual. Mas sua experiência em produção de histórias foi real, e segue sendo útil.
A fórmula original do storytelling
Publicado em 1949, o livro O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell, é leitura básica para quem pretende entender o storytelling de forma mais aprofundada. O grande mérito do autor foi organizar a forma como as pessoas naturalmente contam, ouvem e imaginam histórias. O conceito foi todo baseado em psicologia e em psicanálise. Tanto que ele cita estudos de vários especialistas nessas áreas. Um deles é bem popular: Sigmund Freud.
No entanto, está errado afirmar que Campbell inventou o storytelling. O que ele fez foi estruturar e organizar esse fenômeno natural do ser humano em um livro. Depois vieram milhares de outros autores que estudaram o assunto. Alguns deles interpretaram o livro do Campbell, inclusive. Outros simplificaram seu conceito e, sem se descolar do princípio, o transformaram naquilo que seria uma espécie de manual do storytelling. Eles reorganizaram a saga do herói numa jornada de 12 etapas:
- O mundo ordinário;
- O chamado para a aventura;
- A recusa ao chamado;
- O mentor;
- Atravessando o limiar do desconhecido;
- Testes, Aliados e Inimigos;
- Aproximando-se do objetivo;
- A provação;
- A recompensa;
- O caminho de volta;
- A ressurreição;
- O retorno com o elixir.
Essa sequência é comumente chamada de “jornada do herói” ou de “monomito”, que foram os nomes usados por Campbell especialmente no primeiro capítulo do livro. As interpretações da obra são muitas vezes mais aplicáveis do que a obra original, que, por sua vez, fornece uma visão mais profunda da relação do ser humano com as histórias.
A fórmula em content marketing
Aplicar o conceito completo de O Herói de Mil Faces em content marketing soa como exagero — e talvez seja impraticável. O que as marcas fazem com mais frequência é usar apenas dois dos elementos que mais interessam do storytelling: o conflito e o herói.
De forma pragmática, a empresa identifica um conflito que seu (potencial) cliente precisa vencer. E ela, a empresa, o ajuda nessa jornada.
Um ótimo case no Brasil é o Itaú. O ponto de partida da narrativa do banco é uma pergunta retórica mais ou menos assim: “na sua opinião, o mundo está bom do jeito que está?”. A maioria das pessoas provavelmente vai dizer que não, por diversos motivos — meio ambiente, violência, pobreza etc. Isto, por si só, é o conflito.
O Itaú se baseou nesse conflito para criar uma verdade da marca: certas atitudes mudam o mundo. Isso foi simplificado na frase que você provavelmente já ouviu: “isso muda o mundo“. E quem é o herói da mudança? Você, cliente do Itaú.
Ficam claras as presenças do conflito e do herói.
Não faz muito tempo, conversei com Eduardo Tracanella, superintendente de marketing institucional do Itaú. Quando falamos dos mesmos temas abordados neste post, sua resposta foi esta:
“O Itaú consegue ser uma media company, com canais e audiência próprios, principalmente se tiver uma história inspiradora e diferenciada. Nosso desafio é contar histórias de um jeito gostoso porque a relação de pessoas com bancos é naturalmente mais fria, mais racional.”
Outro bom exemplo é a Blue Apron, uma empresa americana que vende tempero para comida. Sua missão foi sintetizada pelo Huffington Post com a seguinte frase: “fazer com que cozinhar em casa de forma incrível seja algo acessível para qualquer pessoa”.
A Blue Apron se posiciona como uma empresa que luta junto com seu cliente, ajudando-o a se sair bem diante do desafio de fazer comida em casa com facilidade. Traduzindo isso para a produção de conteúdo, nada pode ser publicado se não estiver de alguma forma contando essa história.
O post abaixo foi publicado na conta da empresa no Facebook. E faz link para um post que ensina a preparar um sofisticado prato de frango com ruibarbo adocicado, aspargos e batatas.
Na narrativa da Blue Apron, lá estão novamente os dois elementos. O conflito é o preço alto dos temperos tradicionais. O herói é o consumidor da marca, que adoraria fazer comida em casa, mas antes não podia. Agora pode.
O livro Content Marketing Masterclass foi lançado em setembro deste ano e está disponível nas versões impressa e Kindle. São 52 aulas transformadas em 52 capítulos.
Takeaway
Storytelling é a arte de contar histórias, o que, como comprova a ciência, prende a atenção do público. Não é um elemento obrigatório para empresas, mas é muito eficiente quando implantado. No cinema, o storytelling segue um script de 12 etapas. No content marketing, de forma mais simples, é preciso identificar um conflito e construir um herói.∞
Este artigo foi originalmente publicado em 13 de janeiro de 2015 e vem sendo constantemente atualizado e enriquecido desde então.